Críticas


ADAPTAÇÃO

De: SPIKE JONZE
Com: NICOLAS CAGE, MERYL STREEP, CHRIS COOPER, TILDA SWINTON
27.02.2003
Por Marcelo Janot
KAUFMAN SE PERDE NA AUTO-ANÁLISE

Confesso que ao sentar para escrever a crítica de Adaptação fui acometido pelo mesmo tipo de crise criativa por que passa o personagem Charlie Kaufman no filme. Simplesmente não sabia como começar o texto. O motivo talvez tenha sido a tamanha decepção com um filme que chega recheado de elogios da crítica, indicações ao Oscar e, sobretudo, porque leva a assinatura do diretor Spike Jonze e do roteirista Charlie Kaufman, os mesmos de Quero Ser John Malkovich, um dos filmes mais criativos dos últimos anos.



(Nem sempre um crítico tem a oportunidade de ver o filme mais de uma vez antes de escrever. Normalmente o filme é exibido em uma única sessão para a imprensa, numa salinha apertada - as chamadas “cabines” -com tela pequena e péssima projeção, e pronto. O crítico que se vire a partir daí. Mas escrever para um veículo da internet tem suas vantagens em relação a jornais e revistas: o espaço para o texto é ilimitado a ponto de caber toda essa explicação; não existe pressão de editores que acham que o crítico deve gastar boa parte do texto contando a história do filme; e não há a obrigatoriedade de se publicar a crítica impreterivelmente no dia de seu lançamento.)



Então, ao sair do Inferno de Dante, ou melhor, da cabine da Art Films no Rio de Janeiro, fiquei com a estranha sensação de que era impossível que um filme da dupla Jonze-Kaufman pudesse ser tão fraco. Não me senti seguro nem inspirado para escrever uma linha sequer sobre ele. Resolvi esperar Adaptação entrar em cartaz para assisti-lo outra vez no cinema. E aí pude ter a certeza – não só eu como provavelmente o casal sentado próximo de mim, que preferiu passar mais da metade do filme num animado bate-papo – de que o filme é realmente um grande equívoco (prefiro dar um crédito a Jonze-Kaufman e não recorrer à palavra “picaretagem”).



Observe como Kaufman procura seguir quase a mesma fórmula de Quero Ser John Malkovich. Naquele, os passeios pela mente de Malkovich, comandados por um profissional fracassado (o titereiro interpretado por John Cusack), eram o pretexto para uma interessante discussão sobre imagem, manipulação e sucesso. E ainda abria brechas para questões de cunho psicanalítico, como a descoberta de uma nova identidade sexual da mulher do titereiro a partir do mergulho pela mente de Malkovich e a viagem do próprio ator pelo seu subconsciente.



Também há muitos temas em pauta em Adaptação. Aqui, Charlie Kaufman é quem vira o personagem por cuja mente o espectador fará seu passeio. Quem é o irmão gêmeo Donald senão o seu próprio subconsciente? Donald não existe na vida real, como também, na minha leitura, não existe no filme. Trata-se de um personagem imaginário, que representa o desejo reprimido de Charlie de deixar os pudores de lado e escrever um texto fácil, direto (com clichês, que seja), conquistar garotas bonitas e ter uma aparência melhor. Quando dialoga com Donald, Charlie no fundo está dialogando com ele mesmo. E quando Donald morre, é Charlie quem o está “matando” dentro de sua cabeça, livrando-se dos seus fantasmas e tornando-se uma pessoa feliz.



Esta abordagem psicanalítica, embora renda alguns bons diálogos e duas boas interpretações de Nicolas Cage, não é capaz de sustentar o filme, que se perde na tentativa de conectar os dilemas de Charlie com os da autora do livro que ele está tentando adaptar, Susan Orlean (Meryl Streep). Fora algumas piadas, Adaptação acrescenta pouco ao que já foi visto no cinema sobre roteiristas/cineastas em crise criativa. Além disso, pela forma como é retratado, o próprio livro O Ladrão de Orquídeas (que existe de verdade e foi lançado no Brasil), considerado inadaptável pelo roteirista, deixa no espectador a impressão de ser insuportável, utilizando-se de dados científicos sobre as orquídeas para usar as plantas como metáforas da descoberta do amor e da paixão.



Logo, a descoberta da paixão pela personagem de Meryl Streep, além de óbvia, também se torna maçante graças à pouco convincente performance da atriz, que em nenhum momento parece encontrar o tom certo. E Charlie, se consegue terminar seu roteiro às custas daquilo que Donald pregava, não evitou que o final de seu filme fosse muito chato.



E onde entra Spike Jonze nessa história? Aparentemente, parece que ele só entra mesmo para emprestar seu nome ao filme, uma vez que sua direção é corriqueira e praticamente invisível – não que uma direção invisível seja necessariamente um defeito, mas este tipo de roteiro merecia mais nuanças no trabalho do diretor.



# ADAPTAÇÃO (Adaptation)

EUA, 2002

Direção: SPIKE JONZE

Roteiro: CHARLIE KAUFMAN

Produção: EDWARD SAXON, VINCENT LANDAY, JONATHAN DEMME

Fotografia: LANCE ACORD

Montagem: ERIC ZUMBRUNNEN

Música: CARTER BURWELL

Elenco: NICOLAS CAGE, MERYL STREEP, CHRIS COOPER, TILDA SWINTON, CARA SEYMOUR, BRIAN COX

Duração: 114 min.

site: www.sonypictures.com/movies/adaptation

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