Tancredo, a Travessia é mais um dos tours-de-force de Silvio Tendler na área da recompilação histórica baseada em vasta coleta de material de arquivo, depoimentos um tanto oficiais e um texto de narração onisciente – tudo organizado segundo uma estrita cronologia linear. O didatismo, apreciado por uns e execrado por outros, cobra um preço alto quando faz todas as particularidades se diluírem em benefício de um relato genérico e excessivamente codificado. Sem contar que o texto da narração não tem a mesma qualidade de sugestão e envolvimento dos filmes sobre JK e Jango.
Durante mais da metade inicial, Tancredo Neves parece confinado ao papel de “figurante com fala” na roda viva da política nacional. Mesmo que tivesse sido assim mesmo, parece-me lícito esperar de uma biografia que vá buscar, em cada momento e contexto, onde o personagem foi protagonista. O doc informa muito pouco sobre sua ascensão na política mineira e a formação de sua personalidade conciliadora e aparentemente bonachona. Somente quando ele é guindado à condição de candidato à presidência, ocupando o centro das atenções do país, é que Tancredo de fato ocupa o centro do filme. Em lugar de procurar o grande no pequeno, Tendler espera o grande ficar grande para organizar nossa atenção em torno dele.
O desejo sempre presente de montar painéis históricos o leva a abrir generosos espaços para eventos grandiosos sem ressaltar na mesma proporção aquilo em que Tancredo contribuiu ou participou. O episódio das Diretas-Já é um exemplo de concessão à emoção política e perda de objetividade – a ponto de incluir um depoimento totalmente descontextualizado de Maitê Proença.
É claro que sempre há boas declarações e boas histórias em torno dos conchavos, das atitudes e das posições de Tancredo. A razão de ele não ter sido cassado por Castelo Branco é uma delas. A eleição no Colégio Eleitoral em 1985, o choque da doença e a morte são os episódios de narrativa mais sólida, embora nada se mencione das teorias conspiratórias que surgiram na época a respeito de um possível atentado político. Mas o que mais senti falta foi de uma interpretação menos superficial do que Tancredo representou para o país, em sua longa carreira de eminência parda e personificação de uma certa mediania bem brasileira.