Críticas


AMANHÃ NUNCA MAIS

De: TADEU JUNGLE
Com: LÁZARO RAMOS, MARIA LUIZA MENDONÇA, VIC MILITELLO, MILHEM CORTEZ
15.11.2011
Por Susana Schild
A LONGA NOITE DE LOUCURAS (DOS OUTROS)

Amanhã nunca mais começa com uma cena insólita levando-se em conta a péssima fama do trânsito paulista: um motorista de ar decidido desenvolve uma corrida vertiginosa por avenidas e viadutos, desviando aqui, cortando ali, sem encontrar um sinal fechado ou manifestar qualquer preocupação com eventuais leis de trânsito. Mas a vida de Walter (Lázaro Ramos, ótimo, como de hábito), nem sempre correu tão célere. Aliás, uma semana antes, seu cotidiano era devagar, quase parando. Anestesista de profissão, anestesiado por opção (ou por desconhecido distúrbio psicológico), ele é a personificação do ‘homem que não saber dizer não’.



De fato, tomar posição perante pequenas coisas não parece ser o forte do rapaz. E por conta desta impossibilidade – momentânea ou crônica, não se sabe – ele vai amargar ao longo de algumas horas vários desdobramentos da Lei de Murphy: o que está ruim só tende a piorar.



A saga deste personagem vacilante, indeciso e frágil, começa uma semana antes, no litoral. Se a praia do carioca é geralmente retratada como uma festa para os olhos, a do paulista dificilmente ganharia um cartão postal – pela paisagem natural ou humana. Ao lado da família, Walter é mostrado como um sujeito que engole todas – a começar por uma gordurosa coxinha de frango empurrada pela sogra. E continua a engolir contrariedades no hospital em que trabalha, onde se submete à manipulação de colegas.



O semi-catatônico Walter levará uma longa noite de loucura (dos outros) para descobrir, na prática, que mudanças de atitude podem demorar, mas não são impossíveis.

Para fazer média com a mulher em um casamento que, pelo que é dito e mostrado, vem deixando muito a desejar, Walter promete pegar o bolo de aniversário da filha. Não vai ser fácil. Para realizar tarefa tão singela, ele deverá enfrentar pesados contratempos profissionais, um trânsito infernal, vários acidentes, e transeuntes ensandecidos de várias enfermarias na variadíssima fauna urbana que o cerca. Deverá enfrentar, sobretudo, a si mesmo, e testar, às últimas conseqüências, a sua mórbida incapacidade de dizer ‘não’.



Em seu filme de estréia, Tadeu Jungle, artista multimídia e diretor de TV, deixa evidente uma consistente veia criativa, sobretudo nos enquadramentos. O roteiro assinado com Mauricio Arruda e Marcelo Muller ecoa um clássico de Martin Scorsese, Depois de Horas (After Hours) dos idos de 1985, no qual um rapaz comum, depois de sair do trabalho para ver a namorada, encontra todo tipo de obstáculos, menos a moça. Também estão presentes afinidades com o universo absurdo e surreal de O Cheiro do Ralo (Heitor Dahlia), reforçadas pela presença de Paula Braun, a garçonete do primeiro e desta vez em dupla participação, como enfermeira e travesti.



A inspirada fotografia de Ricardo della Rosa valoriza uma atmosfera urbana sufocante, em que todos parecem prisioneiros de suas armadilhas particulares - voluntárias ou não.

A trama se desenvolve basicamente no formato de esquetes, alguns mais longos que o necessário, na qual as atitudes de Walter são utilizadas como contraponto para a sucessão de antagonistas, assumidamente farsescos, com eventuais escorregões no estereótipo, como a sogra (Vic Militello), o médico oportunista (Milhem Cortaz), passando pela judia rica e pirada (Maria Luiza Mendonça, prêmio de melhor atriz no Festival do Rio).



Com sólidos valores de produção – poucas vezes o sufoco da maior metrópole do país foi tão bem representado – Amanhã nunca mais marca uma consistente estréia na direção. A ressaltar a excelente trilha de André Abujamra e Marcio Nigri. É recomendável ficar até o final dos longos créditos para acompanhar a primorosa letra de Arnaldo Antunes. Por que não?



Publicada anteriormente no Segundo Caderno de O Globo em 10 de novembro de 2011.

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