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AS CANÇÕES

10.12.2011
Por Críticos.com.br
AS CANÇÕES

TEXTOS PUBLICADOS ANTERIORMENTE DURANTE O FESTIVAL DO RIO 2011



ATÉ ONDE NOS PODE LEVAR UMA MÚSICA



PATRICIA REBELLO



Uma vida cabe em uma canção? Ou é uma canção que cabe em uma vida? Há sempre uma canção para uma vida? Ou o que existe é uma vida para uma canção? As Canções, de Eduardo Coutinho, não vai, nem pretende nem nunca quis, responder a essas perguntas. Aqui, mais vale pensar para onde pode nos levar uma música, e até onde.



Desde Jogo de Cena (2007), Coutinho vem se aprofundando nas tensões que irrompem na construção do discurso de seus personagens, uma mistura de realidade, memória e esquecimento. Na verdade, a coisa toda começou a se modificar em O Fim e o Princípio (2005), quando o diretor abriu os olhos para um “algo mais” para além do carisma, dos gestos e das maneiras que sempre foram as principais características de seus entrevistados: o elemento de ficção que habita necessariamente cada um dos relatos de todos nós. Deste, inclusive.



Depois de Jogo de Cena, celebrado como uma das mais importantes reflexões sobre os limites entre a ficção e o documentário, vieram o difícil Moscou (2009), registro dos ensaios de uma produção teatral que buscava encontrar, no processo de criação de uma peça, o instante onde fato e imaginação se fundem e produzem uma terceira coisa; e Um Dia na Vida (2010), projeto que pode ser encarado como alguma coisa entre “material de pesquisa” e “um filme”, que procura tirar alguma lógica da grade de programas da televisão aberta no Brasil. As Canções não é exatamente uma volta aos “velhos e bons filmes”, mas uma etapa a mais no processo de Eduardo Coutinho de pensar sua própria obra.



Uma cadeira em um palco vazio. É o que basta para fazer desabrochar histórias de amores perdidos, de experiências vividas, de situações experimentadas; de lembranças, esquecimentos, memórias, dores, alegrias; de dramas, comédias e suspenses. Vida que segue, apesar de tudo. Seja em debates, entrevistas ou palestras, Coutinho sempre afirmou ser fundamental ter pessoas que cantam em seus filmes. As Canções, nesse sentido, é tanto um mergulho do autor em sua obra, quanto a história de amor de Coutinho com seu próprio cinema. Ele nunca pareceu se divertir tanto, e isso transborda da tela. Da mesma forma, a parceria de longa data com a montadora Jordana Berg e o fotógrafo Jacques Cheuiche transparece tanto nos movimentos de câmera, no recato da fotografia, quanto no ritmo da montagem, todos eles quase “orgânicos” à fala de cada um dos personagens.



Eu me pergunto qual seria, então, a canção de Eduardo Coutinho.



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VARIAÇÕES DE UMA MESMA MELODIA



CARLOS ALBERTO MATTOS



As canções sempre tiveram um papel importante nos filmes de Eduardo Coutinho. Quando os personagens de Santo Forte, Babilônia 2000 ou Edifício Master, por exemplo, eram instados a cantar diante da câmera, aquilo fazia parte da proposta de autofabulação embutida nos filmes. Ao cantar, as pessoas se reinventavam, assumiam mais plenamente o “teatro de si mesmas” que Coutinho buscava estimular com suas entrevistas. Esse recurso, subsidiário em vários trabalhos, ganha o proscênio agora em As Canções.



Invertendo o enquadramento de Jogo de Cena, as personagens de As Canções aparecem saindo do palco para a plateia de um teatro, e falam com a cortina ao fundo. Mais uma vez, parecem estar a sós com o diretor e suas lembranças. Cantam e explicam por que aquelas se transformaram nas músicas de suas vidas. A maioria dessas histórias se prende a amores perdidos no passado mas cuja memória ainda trava a voz e arranca lágrimas. Daí o filme ter um caráter algo repetitivo, como variações de uma mesma melodia. As canções, por seu turno, nem sempre parecem justificar plenamente o desenrolar das conversas, que Coutinho tenta sustentar às vezes penosamente, como que tirando leite de pedra.



Mas o que talvez roube mesmo de As Canções a força e a originalidade de outros filmes do diretor é o déficit de carisma de diversos personagens. Coutinho infringe uma regra básica do seu cinema, que é a particularidade graciosa de seus entrevistados. São poucos os momentos em que se dá aquele milagre de comunicação a que ele nos acostumou. Esse é, a meu ver, um momento de relativa estagnação no conjunto de uma obra desbravadora.

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