TEXTO PUBLICADO ANTERIORMENTE DURANTE O FESTIVAL DO RIO 2011
As canções sempre tiveram um papel importante nos filmes de Eduardo Coutinho. Quando os personagens de Santo Forte, Babilônia 2000 ou Edifício Master, por exemplo, eram instados a cantar diante da câmera, aquilo fazia parte da proposta de autofabulação embutida nos filmes. Ao cantar, as pessoas se reinventavam, assumiam mais plenamente o “teatro de si mesmas” que Coutinho buscava estimular com suas entrevistas. Esse recurso, subsidiário em vários trabalhos, ganha o proscênio agora em As Canções.
Invertendo o enquadramento de Jogo de Cena, as personagens de As Canções aparecem saindo do palco para a plateia de um teatro, e falam com a cortina ao fundo. Mais uma vez, parecem estar a sós com o diretor e suas lembranças. Cantam e explicam por que aquelas se transformaram nas músicas de suas vidas. A maioria dessas histórias se prende a amores perdidos no passado mas cuja memória ainda trava a voz e arranca lágrimas. Daí o filme ter um caráter algo repetitivo, como variações de uma mesma melodia. As canções, por seu turno, nem sempre parecem justificar plenamente o desenrolar das conversas, que Coutinho tenta sustentar às vezes penosamente, como que tirando leite de pedra.
Mas o que talvez roube mesmo de As Canções a força e a originalidade de outros filmes do diretor é o déficit de carisma de diversos personagens. Coutinho infringe uma regra básica do seu cinema, que é a particularidade graciosa de seus entrevistados. São poucos os momentos em que se dá aquele milagre de comunicação a que ele nos acostumou. Esse é, a meu ver, um momento de relativa estagnação no conjunto de uma obra desbravadora.