Críticas


DESCENDENTES, OS

De: ALEXANDER PAYNE
Com: GEORGE CLOONEY, SHAILENE WOODLEY, ROBERT FORSTER, BEAU BRIDGES
29.01.2012
Por Luiz Fernando Gallego
O RIDÍCULO DA VIDA

Se há um detalhe que pode resumir o melhor aspecto de Os Descendentes talvez esteja em um trecho do diálogo entre o personagem de George Clooney, ‘Matt King’, e o namorado/amigo de sua filha mais velha, um rapazola tão sem noção que, ao lado dele, a moça de 17 anos diz que fica (ou, quem sabe, parece que fica) mais centrada. ‘Matt’ pergunta se sua filha e ele não falam sobre seus problemas e ‘Sid’ diz que não, que eles conversam sobre outras coisas para se distraírem dos problemas.



Essa informação pode surpreender ‘Matt’, mas se o espectador atentar para o que deve ter sido o modo como ele esteve lidando com a vida até ali, poderá considerar que não só os jovens desta geração, mas também os adultos quarentões - e quem sabe? os mais velhos ainda - nunca se concentraram muito em “problemas” nem compartilharam nada mais grave... até que uma determinada situação exigente os tenha obrigado a um confronto interno consigo mesmo e com os demais. Em uma outra passagem aparentemente periférica ao enredo central vemos uma menina de seus dez anos, colega da outra filha de Matt, indo ao quarto de hospital ver a mãe de sua amiga (a esposa de Matt), em coma desde que sofreu um acidente de lancha. O que a menina fala pode ser até polido, mas sua atitude é bem fria e distante: ela foi apenas confirmar que sua amiguinha não havia mentido ao dizer que a mãe estava “dormindo”. Inadequada.



Apesar do acidente dramático que dispara toda a ação da história, o filme, com doses de ironia e um certo distanciamento, evita o melodramalhão. Mas o modo “leve” que roteiro e direção pretenderam também não é tão cômico assim. A plateia talvez esteja rindo com desconforto pela desfaçatez com que certas situações ridículas - mas nem sempre risíveis - são enfocadas: não há muita coisa exatamente “engraçada” para gargalhar.



Nem tudo é bem sucedido na corda bamba em que o filme tenta se manter, entretanto: o próprio fato de ‘Matt’ ter ido conversar com ‘Sid’, tão inadequado em cenas anteriores, seria, em princípio, inverossímil... Mas quem disse que Matt também não seria um tanto “sem noção”...?



De qualquer modo, se Os Descendentes pode estar sendo supervalorizado pelo público, crítica e premiações nos Estados Unidos, também não é o caso de subestimar sua abordagem sobre um modo de ser muito voltado para o bem-estar emocional a partir do qual as relações com as pessoas próximas ficam mais direcionadas para o lado divertido dos relacionamentos, evitando sempre o que possa ocorrer de desconfortável na vida. Apesar do estado da esposa de ‘Matt’, todos só tem palavras de estímulo e de crença em sua recuperação e ninguém parece conseguir aventar a hipótese de que ela esteja em situação menos favorável. Nesse sentido o “paraíso havaiano” em que se passa a ação da história é um bom cenário a ser desmistificado como a voz em off de George Clooney aponta logo no início. Pois dentro do estereótipo de sol & mar & boa vida vai surgir uma fissura para a atitude de “wishful thinking” que não quer nem pensar, hipoteticamente que fosse, nos lances menos agradáveis da vida.



Considerar o filme apenas pelo seu lado aparente de “soap opera” ou de comédia de situações um tanto patéticas seria não perceber a exposição de aspectos mais ridículos da vida e dos relacionamentos, mostrados com certa ironia que nem sempre está sendo levada em conta. Mesmo que se reconheça que há alguns momentos menos felizes (as falas das pessoas para a mulher em coma), o diretor Alexander Payne conseguiu, no todo, dar o seu melhor recado desde As Confissões de Schmidt, já há dez anos. Ele não condena seus personagens por suas atitudes “sem noção” e talvez esteja nos mostrando que as pessoas estão sendo assim (talvez precisando funcionar deste modo) e evita um tom de “punição” por tal maneira de ser/estar no mundo a partir dos dissabores que vão ter que enfrentar, com ou sem “wishful thinking”.



A escolha de George Clooney para um papel que, no passado, talvez fosse exclusividade de um Jack Lemmon é bem interessante, pois não casa com a persona do ator que tem tentado mesmo personagens mais variados em seus últimos filmes, de assassino de aluguel a político com duas faces. Aqui, ele se mostra mais bem sucedido, embora talvez não chegue a justificar o Oscar que talvez receba em breve.

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