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FILMES BRASILEIROS ENTRE RATOS E COELHOS

14.02.2012
Por Luiz Fernando Gallego
FILMES BRASILEIROS ENTRE RATOS E COELHOS

2 Coelhos, estréia de Afonso Poyart na direção com esquema de produção caprichado, parece querer ser um filme de Guy Ritchie - que por sua vez já quis fazer filmes de Tarantino, mas acabou em filmes que usam o nome de Sherlock Holmes em vão.



Reis e Ratos, de Mauro Lima (diretor de Meu nome não é Johnny), reciclou cenários e figurinos de outro filme (O Bem Amado) e quis ser uma espécie de versão delirante do que corria paralelamente ao golpe militar brasileiro de 1964, inventando uma suposta “verdadeira” história (fake) do que realmente teria acontecido nos bastidores. No caso, o roteiro brincaria com porquê de não ter havido maior reação ao golpe, além de não ter sido ainda mais ostensiva a óbvia participação norte-americana na derrubada de um presidente brasileiro. Este, no roteiro, é chamado por um apelido, “Pavão”, mas em uma tomada de jornal, o nome de João Goulart salta aos olhos do espectador. Um equívoco para a manutenção das situações “à clef” foi mostrar, sem necessidade, o “presidente” do filme, visto na pele de um ator que não tem aparência plausível de presidente brasileiro, sendo até mesmo de tipo assemelhado ao que faz o embaixador dos EUA. O real "Cabo Anselmo", agente duplo, também tem seu equivalente ficcional, aparecendo já infiltrado junto aos marinheiros para açodar a revolta e justificar o golpe .



O equívoco de mostrar o "presidente" seria detalhe se o resto funcionasse minimamente. O núcleo da história, entretanto, desanda completamente e está na dupla interpretada por Selton Mello e Otávio Muller, dois anti-comunistas golpistas: um americano, e o outro, um militar brasileiro, cujas tentativas de matar o Presidente nunca funcionam. A dupla seria cômica, mas o filme corre o risco de ser lembrado como aquele que conseguiu extrair um desempenho bem insatisfatório de Selton Mello. A prosódia do ator (que parece contaminar o colega), algo cantada e estereotipada não funciona nada bem. Em um clipe de divulgação, Selton diz que pretendeu falar como se o personagem, de língua inglesa, estivesse dublado para o português. Ficou na intenção.



O ritmo se arrasta, a decupagem de algumas cenas é inepta e a edição vai no mesmo rumo. Por economia ou onipotência, o diretor aparece como co-montador, além de ser creditado pela trilha sonora que traz uma canção inédita de Caetano Veloso na voz de Bebel Gilberto nos minutos finais – e que não se integra à ação, como quase nada parece bem integrado no filme. O personagem “meio médium” vivido corajosamente por Cauã Raymond vai resvalando para a chanchada sem graça, e apenas Rodrigo Santoro não se compromete muito ao interpretar um personagem abjeto, feio e mal tratado. Mas tudo vai sendo engolfado no que se quis insólito e terminou bizarro numa pobre mistura de gêneros, sem funcionar bem em nenhum deles: seja na sátira política, na versão fake da História, ou nas tintas de noir.



Bizarrice involuntária não é o que 2 Coelhos reservou para o espectador. Pelo contrário, o filme parece ser exatamente o que o diretor pretendeu: uma levada “pop”, efeitos especiais, linguagem de vídeo game, corridas de carro, tiros e explosões. Uma outra forma de bizarrice pode ser apontada, mas do tipo “eu queria ser filme americano de ação” – só que com pitadas de indignação (vazia) contra a corrupção. O cuidado formal, entretanto, não tem equivalente na narrativa da história: a partir de certo momento (que não será revelado aqui), as “explicações” e motivações dos personagens degringolam, e a falta de estofo moral dos tipos parece contaminar a inconsequência conceitual da trama: como um “injustiçado” que participou de um evento cuja (ir)responsabilidade mereceria punição legal vai se arvorar em fazer justiça com as próprias mãos? Tudo bem, mecanismos projetivos e de deslocamentos existem, mas nada é construído muito convincentemente para o personagem de Fernando Alves Pinto, por mais que o ator defenda bem a construção exteriorizada de seu tipo. O pior papel ficou para Caco Ciocler, que acaba tendo que se limitar a uma expressão facial única e soturna para fazer frente à inverossimilhança dapersonalidade a que tenta dar vida. São tipos, jamais personagens. Muito barulho para tão pouco.



2 Coelhos perigava dar certo na bilheteria por ser um genérico de filme americano de ação com violência, tiros e corridas de carro. Algum sucesso pode aguardar Reis e Ratos - que, aliás, pôde fazer rir na sessão para imprensa em momentos como o que um personagem manda outro “tomar no (*)” (!!!?!?!?!!!)

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