Críticas


RAUL – O INICIO, O FIM E O MEIO

De: WALTER CARVALHO
30.03.2012
Por Marcelo Janot
A MOSCA DA CONTRACULTURA BRASILEIRA

As novas gerações conhecem pouco Raul Seixas. Para alguns ele é motivo de idolatria a ponto de inspirar a criação de um bloco de Carnaval com o seu repertório, o “Toca Raul!”. O mesmo bordão que batiza o bloco é utilizado por outros, em tom de deboche, para encher a paciência de DJs em pistas de dança. Para a grande maioria, a imagem de Raul Seixas está mais atrelada à figura folclórica do Maluco Beleza do que à de um artista de grande importância para a música brasileira. Ao fim da projeção de “Raul – O início, o fim e o meio” não restarão mais dúvidas: Raul era um gênio.



Cuidado com a sentença acima. Ao comentar o significado da letra de “Metamorfose ambulante”, Raul rejeita a noção de verdade absoluta e diz que faz música “para que as verdades individuais possam emergir”. A genialidade de Raul é, portanto, uma verdade individual que emerge desta crítica a partir da forma como Walter Carvalho o apresenta no documentário. Isso significa que o entusiasmo do diretor pelo personagem e sua música pode encantar as platéias da mesma maneira que encantou o crítico.



Tudo o que se deveria saber sobre a vida e obra de Raul Seixas está presente no filme, um vastíssimo material condensado em duas horas. Com exceção de uma desnecessária licença poética quando a produtora Maria Juça mergulha na piscina do Parque Lage, nenhuma cena é supérflua. Cada imagem de arquivo, cada depoimento, são peças essenciais de um quebra-cabeça que revela a riqueza artística e a dimensão humana de Raul Seixas.



Há, talvez, um excesso de melodrama e lágrimas ao se mostrar o lado intímo de Raul Seixas, através dos depoimentos de suas ex-companheiras e filhas. Mas o mergulho em sua vida privada, ao mesmo tempo em que sacia o desejo de milhares de fãs que ainda o cultuam apaixonadamente, reforça a principal tese do filme (que não por acaso cita Allen Ginsberg e começa com uma cena de “Easy Rider”): Raul Seixas era um tardio representante da Contracultura que se manteve fiel aos seus ideais até os últimos dias de vida. Por isso a entrevista de seu ex-parceiro Paulo Coelho tem tanta importância e espaço: além do ineditismo pelo viés jornalístico, deixa claro os rumos radicalmente opostos que ambos tomaram. De um lado, o escritor racional e calculista, que só dispara seu arco e flecha pra acertar no alvo; de outro, o eterno maluco beleza, a mosca que tanta falta faz à sopa cultural brasileira.



( crítica publicada originalmente no Jornal O Globo)

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