Críticas


GIRIMUNHO

De: HELVÉCIO MARINS JR. e CLARISSA CAMPOLINA
Com: MARIA SEBASTIANA, MARIA DA CONCEIÇÃO, LUCIENE SOARES DA SILVA, WANDERSON SOARES DA SILVA
04.05.2012
Por Carlos Alberto Mattos
A TERCEIRA MARGEM DO RIO

A voz de uma mulher idosa cantando alto, uma imagem desfocada e cheia de grãos. Assim começa Girimunho, de forma a não enganar ninguém. Quem quiser, fique na sala. Quem não gostar, desista logo. O filme que vamos ver é assim como se fosse contado por aquelas vozes rugosas e lentas (“A calma é muito importante”), olhado por aquelas vistas cansadas, cantado daquele jeito rústico e doce.



Bastu e Maria do Boi, duas velhas amigas na mansidura de São Romão, interior de Minas, são o princípio e o fim do belo filme de Clarissa Campolina e Helvécio Marins Jr. A incrível capacidade delas, assim como dos poucos jovens que os cercam, de encarnar suas personagens sem deixar de ser elas mesmas, é o milagre em torno do qual Girimunho se constrói. Entre o documentário e a ficção, o filme sai em busca de uma terceira margem. A história que se conta bebe na história de quem conta.



Não é despropositado lembrar de Guimarães Rosa e sua Terceira Margem do Rio. É a morte que assoma à soleira das portas de São Romão desde a primeira cena, na cantiga do batuque de Maria do Boi. É a morte do marido que, em vez de ficar quieta, continua atazanando Bastu na calada da noite (“O tempo não para. Quem para somos nós”). Morte é partida. Ficar ou partir, eis o dilema de sempre, de todos. Branca e sua irmã Preta vivem isso com os próprios chinelos.



Mas, se abre uma fresta de porta para a morte, é para a vida que Girimunho escancara a passagem. Como no igualmente roseano Terra Deu, Terra Come, o premiado doc de Rodrigo Siqueira, temos aqui uma visão lúdica da morte. O que move Bastu, em seu pacto de não chorar, é a disposição para suprir a ausência do outro com o seu próprio desejo de viver (“A vida é amável”). A entrada da máquina de costura na oficina do falecido é a metáfora redonda. E o Rio São Francisco, afinal, é outro que não para.



Com suas elipses poéticas e um tangenciamento muito sutil do sobrenatural, o roteiro de Felipe Bragança rende talvez a melhor assimilação do modelo fabular do tailandês Apichatpong Weerasethakul, tão cultuado por jovens realizadores brasileiros. É uma escrita arejada, de alinhavo bem espaçado e aberta aos influxos dos lugares e da natureza no ato da filmagem. É uma maneira de filmar e editar (Marina Meliande) que sabe impor seus silêncios e seu ritmo, colhidos que são na observação de um mundo aparentemente estável.



Felizmente, Girimunho não é um mero elogio do estagnado e do “simples”. Pelo contrário, é uma celebração do redemoinho da vida, da mudança e da perspicácia (“Quem não ouve conselho ouve coitado”).



Um filme para ser bebido devagarinho e com gosto.

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