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ROTEIRISTA, UM CRIADOR QUASE INVISÍVEL

28.05.2012
Por Estevão Garcia
ROTEIRISTA, UM CRIADOR QUASE INVISÍVEL

Leopoldo Serran (1942-2008) pode ser considerado, sem nenhum exagero, o mais importante roteirista do cinema brasileiro de todos os tempos. Até os dias de hoje, nenhum outro profissional da área conseguiu desenvolver no nosso cinema uma carreira tão ativa e contínua. Além desse feito, Serran também conseguiu realizar uma outra proeza rara: somar o considerável volume de trabalhos (encomendados ou não) com um imenso rigor e uma constante preocupação com a qualidade do roteiro.



Assim, no ano em que o mais profícuo roteirista do cinema brasileiro completaria 70 anos, a mostra Leopoldo Serran: Escrevendo Imagens lhe propõe uma homenagem com a realização de uma retrospectiva que exibirá 20 de seus 32 filmes e três episódios dos seriados e minisséries que escreveu para a TV. Complementando a exibição dos filmes, se realizará uma mesa de debate e uma oficina gratuita de roteiro intitulada “A Atenção do Espectador”, ministrada pelo roteirista Luiz Carlos Maciel. A mesa, composta pelos roteiristas Doc Comparato e Luiz Carlos Maciel e pelo diretor Antônio Carlos da Fontoura (amigos e parceiros de Serran), analisará a trajetória e o processo de escrita do homenageado e discutirá as particularidades do trabalho de roteirista em uma cinematografia sem indústria como a nossa.



A oficina “A Atenção do Espectador” encerra uma máxima de Serran, para quem a eficiência de um roteiro poderia ser medida por sua capacidade de “prender” a atenção do espectador. Assim, a oficina visa estudar e pôr em prática alguns procedimentos na elaboração do roteiro cinematográfico com o propósito de assegurar a atenção do público e renovar o seu interesse. Duas são as exigências fundamentais: a imaginação inspirada e o conhecimento da técnica. A primeira é decisiva para a criação do argumento e dos personagens. A segunda é necessária para erguer a estrutura do roteiro como um todo e para a construção das sequências em particular.



Filho de um oficial da Marinha, morador de Ipanema, cinéfilo frequentador dos cinemas do bairro, Leopoldo Serran foi estudar Direito na PUC-Rio, onde acabou se envolvendo com crítica e cineclubismo, e fez amizade com os futuros diretores do Cinema Novo e com futuros críticos. Sobre esse período, uma vez disse: “Eu vim do Metropolitano, o jornal da União Metropolitana de Estudantes do Rio de Janeiro. Foi do Metropolitano que vieram o Cacá Diegues, o Sérgio Augusto, o Nelson Pompéia, o Paulo Perdigão, o David Neves...”, Na mesma entrevista ao jornal O Estado, em 1988, logo em seguida complementou que convivia com muitos integrantes do CPC da União Nacional dos Estudantes.



De fato, esse contato com os principais articuladores do CPC foi decisivo em sua formação intelectual e artística. Por meio de sua participação nos encontros da entidade, muitas ideias que formariam a base de seu pensamento sobre cinema popular e de sua defesa da “ideal” relação que o cinema deveria estabelecer com o espectador foram estimuladas. Anos mais tarde, Serran fez questão de salientar o significado que o CPC exerceu em seu amadurecimento intelectual e no da geração de roteiristas da qual fazia parte, pois “Armando Costa, Eduardo Coutinho, Antônio Carlos da Fontoura e eu mesmo somos filhos de uma escola de dramaturgia que se chamou Centro Popular de Cultura. Lá se aprendeu muita coisa, não só fazendo pecinhas de teatro como discutindo ideias”, disse em entrevista ao jornal Última Hora, em 1979.



Leopoldo Serran foi o único cineasta vinculado ao grupo do Cinema Novo que optou por seguir a carreira de roteirista, em vez da de realizador, em um momento em que a “teoria do autor” era defendida pelos jovens cinéfilos de todos os cantos do mundo. Segundo essa teoria, o verdadeiro autor no cinema não era quem escrevia o roteiro e sim o responsável pela mise-en-scène. Menos preocupado com essas discussões e mais atento à escrita cinematográfica (seja ela no papel ou na imagem), Serran trabalhará tanto com diretores que almejavam fazer um cinema autoral quanto com realizadores filiados a outras tradições cinematográficas e mais voltados para o grande público. Em ambos os casos, se tornará um coautor desses projetos.



Se muitas vezes nos parece óbvio que o ofício de roteirista ou a tarefa de escrever roteiros é grandiosamente árdua, trabalhosa e desgastante, infelizmente, na prática, o reconhecimento a esse profissional não é tão evidente. Muitas vezes quando o filme é considerado bom, todo o mérito é atribuído ao diretor. Inversamente, quando o filme é ruim, muitas vezes a incoerência, a inverossimilhança ou os “furos” da história são postas na conta do roteirista. E se podemos afirmar que tal situação é frequente até em países onde existe uma indústria cinematográfica consolidada, imagine como será em cinematografias sem indústria, como a brasileira.



Durante muito tempo se repetiu que o grande problema do cinema brasileiro era a má qualidade do roteiro de seus filmes, logo, a inexistência de roteiristas competentes. Tal sentença, além de ser um clichê, era uma grande inverdade. Porém, ela prova mais uma vez que quando um filme ou até mesmo toda uma produção cinematográfica vai mal (fato que pode ser provocado pelos mais diferentes motivos), a culpa é quase sempre do roteirista. Todos os problemas econômicos, as deficiências de infraestrutura e os parcos incentivos injetados no nosso cinema ao longo da história parecem ser menores do que a “culpa” do roteirista.



Outro fato que comprova essa comum falta de reconhecimento é a inexistência de mostras que homenageiem as obras desses profissionais. É frequente vermos retrospectivas de diretores e atores, não de roteiristas. Assim, a mostra Leopoldo Serran: Escrevendo Imagens vem preencher essa lacuna, sendo a primeira a homenagear um roteirista de cinema. Através de Serran, também estamos fazendo uma homenagem a todos os roteiristas do cinema brasileiro e do cinema em geral.



Veja a programação no site da mostra.

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