Críticas


NA ESTRADA

De: WALTER SALLES
Com: SAM RILEY, GARRETT HEDLUND, KRISTEN STEWART, KIRSTEN DUNST
13.07.2012
Por Marcelo Janot
A VIAGEM INTERIOR DE KEROUAC

Ao contrário de tantos filmes que começam com tomadas aéreas descortinando uma bela paisagem, na abertura de “Na Estrada” o que vemos é um travelling com a câmera rente ao chão, acompanhando os pés do personagem. Em seguida, somos levados ao enterro do pai de Sal Paradise. De cara, o diretor Walter Salles desfaz duas expectativas: a de um road movie em que a estrada seria co-protagonista descortinando a geografia de uma nação; e a da fidelidade absoluta ao texto de Jack Kerouac, já que a menção ao pai do narrador nas primeiras linhas do romance constava apenas do manuscrito original de “On The Road”, não da versão que acabou imortalizada mundo afora.



Adaptações literárias representam um risco enorme e Walter Salles sabe bem disso. Seu longa de estreia, “A Grande Arte” (1992), não escapou do fiasco apesar de roteirizado pelo mesmo Rubem Fonseca que escreveu o livro. Na década seguinte Salles foi ainda mais ousado, dessa vez com melhor resultado, ao adaptar para o sertão nordestino a prosa de Ismail Kadaré, cujo primoroso romance “Abril Despedaçado” se passava nas montanhas da Albânia. Em 2004 ele trabalhou com o roteirista porto-riquenho Jose Rivera em “Diários de Motocicleta”, baseado nas notas de viagem de Che Guevara e nas memórias de Alberto Granado.



A experiência bem-sucedida fez com que a parceria com Rivera fosse reeditada em mais um road movie, só que as semelhanças entre “Diários” e “Na Estrada”, dois filmes sobre jovens amigos aventureiros, são menores do que parecem. Enquanto em um suas vidas são mudadas para sempre pela paisagem humana da America Latina, no outro as estradas norte-americanas servem apenas como rota de fuga e deslocamento, jamais como elemento transformador. É justamente este um dos aspectos que mais pode desagradar aos cultuadores da obra de Kerouac: ao condensar o livro, o roteiro deixou de lado boa parte dos momentos em que se bota o pé na estrada.



Para apreciar as qualidades do filme, que não são poucas, é preciso respeitar as escolhas do seu realizador. Se a escrita de Kerouac parece fluir no ritmo do jazz, a trilha sonora de Gustavo Santaolalla se encarrega de transpor esse clima para a tela, ajudada por um elenco impecável que transborda sensualidade. A paisagem está lá, retratada em belíssimas tomadas do diretor de fotografia Eric Gautier, mas a câmera na mão e os closes aproximam o espectador do que mais interessa a Salles: o que pensa Sal Paradise (Sam Riley), alter ego de Kerouac, e como se relaciona com seu amigo Dean Moriarty (Garrett Hedlund) e uma das mulheres deste, Marylou (Kristen Stewart).



O diretor parece esperançoso de que “Na Estrada” desperte nas novas gerações curiosidade literária, e não apenas vontade de refazer a rota de Kerouac só para postar fotos ”iradas” no Instagram. Dean é apresentado por Sal como um sujeito que tinha passado sua vida entre a cadeia, a sinuca e...a biblioteca. Os personagens estão sempre lendo Proust, e os encontros com Carlo Marx (Tom Sturridge) e Old Bull Lee (Viggo Mortensen) fazem com que se queira saber mais sobre Allen Ginsberg, William Borroughs e a geração beat. Enfim, como cinema “Na Estrada” dá muito bem o seu recado.

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