Christophe Honoré se debruça sobre as jornadas de mãe e filha num filme que cobre mais de quatro décadas (de 1964 a 2007), transita por vários países (Tchecoslováquia, França, Inglaterra, Canadá) e evoca fatos históricos (a Primavera de Praga, o surgimento da Aids, os atentados de 11 de setembro). A perspectiva panorâmica emoldura trajetórias individuais.
A mãe é Madeleine, que, na década de 60, não hesita em flertar com a prostituição para desfrutar de um cotidiano um pouco mais confortável. Assume transições em sua vida e se adapta a um casamento estável, apesar de permanecer atrelada a um mesmo homem, Jaromil (interpretado, em fases diversas, por Radivoje Bukvic e Milos Forman), ao longo do tempo. A filha é Vera, que flerta com Clément (Louis Garrel), mas trava relação de dependência com Henderson (Paul Schneider). Madeleine e Vera são interpretadas por mãe e filha na vida real – Catherine Deneuve e Chiara Mastroianni –, ainda que Ludivine Sagnier também interprete a mãe na juventude.
Escolhido para encerrar a última edição do Festival de Cannes, Bem Amadas reúne atrativos para o público. Os personagens expressam o que sentem através da música e, não por acaso, Os Guarda-Chuvas do Amor (1964), célebre filme de Jacques Demy protagonizado por Deneuve, vem à tona durante a sessão. Honoré apresenta soluções simpáticas, principalmente nos primeiros minutos, como ao simbolizar as mudanças na vida de Madeleine através da escolha de sapatos diferentes. Demonstra certo cuidado na reconstituição da atmosfera de cada período. E revela rigor estético ao priorizar cores como o vermelho e, em especial, o azul.
O diretor volta a abordar a sexualidade como um terreno nebuloso, nada previsível. Em Canções de Amor (2007) – filme que, aliás, contava com Louis Garrel, Chiara Mastroianni e Ludivine Sagnier –, o protagonista se envolvia com um homem depois da perda súbita da namorada. Agora, Vera não desiste de seduzir o amigo homossexual Henderson. Um elo que ganha contorno cada vez mais autodestrutivo que evolui rumo a um desenlace pouco crível.
Versão ampliada do texto publicado no jornal O Globo em 13/07/2012