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QUEM TEM MEDO DO TEATRO?

26.07.2012
Por Carlos Alberto Mattos
QUEM TEM MEDO DO TEATRO?

Quem assistiu ao espetáculo Júlia, de Christiane Jatahy, por vezes não sabia bem se estava vendo uma peça ou um filme. Os atores saíam da tela para o palco e vice-versa, contracenavam entre um e outro “espaço”, tinham seus gestos ampliados na projeção. Júlia em breve vai virar filme de cinema, assim como a diretora fez com sua peça A Falta que nos Move. Essa mobilidade da cena contemporânea se estende a inúmeros filmes, DVDs e programas de televisão que estão propondo novos diálogos com o que se passa nos palcos. Não seria impróprio dizer que o cinema brasileiro perdeu o medo do teatro.



Um medo que, na verdade, sempre conviveu com uma irresistível atração. Desde os tempos do silencioso, as peças teatrais carreavam para o cinema uma certa marca de nobreza, além do talento dos intérpretes. Mais tarde, essa prática seria estigmatizada na medida em que o cinema, para se afirmar como arte autônoma, precisava desassociar-se do teatro. A expressão “teatro filmado” virou sinônimo de mau filme.



Isso não impediu que as duas artes continuassem seu namoro mais ou menos dissimulado. As relações entre as chanchadas e o teatro de revista são mais do que conhecidas, assim como os vínculos entre o venerando Teatro Brasileiro de Comédia e a Vera Cruz. O Cinema Novo, por sua vez, flertou com o teatro épico de Brecht e as experiências do Arena e do Oficina. As adaptações de peças sofreram um refluxo nos últimos tempos mas nunca saíram totalmente de cartaz, como provam alguns sucessos de Daniel Filho (A Partilha, A Dona da História, Tempos de Paz) e os muitos trânsitos de Domingos Oliveira.



Mas quem está protagonizando a conversa mais estimulante entre o cinema e o teatro são diversos realizadores jovens, muitos ainda com dificuldade para colocar seus trabalhos no mercado. Moscou, de Eduardo Coutinho, foi um estímulo para muitos deles. Um exemplo é Mentiras Sinceras, longa que mergulha no processo de criação de um espetáculo teatral e projeta o já longo trabalho do documentarista Pedro Asbeg com o diretor de teatro Pedro Moraes e a Companhia Armazém de Teatro. O quarteto Pretti-Parente, premiado em Tiradentes com Estrada para Ythaca, colocou suas câmeras na beira de um palco para fazer No Lugar Errado, seu último filme, em profunda interação com a peça Eutro, de Rodrigo Fischer.



Em matéria de convivência com grupos de teatro, ninguém supera o hiperativo Evaldo Mocarzel. Ele tem registrado e recriado em seus HDs os trabalhos de cinco companhias paulistas, num total aproximado de 20 projetos recentes ou em progresso. Versões compactas desses vídeos, montados em chave experimental por Ava Rocha, ainda passam na faixa Teatro Sem Fronteiras do Canal Brasil. Eryk Rocha, que já filmou Os Sertões de Zé Celso Martinez Correia, é outro cineasta envolvido com esse momento de efusiva integração.



O diálogo pode até assumir uma feição familiar, como em Testemunha 4, que tem percorrido o circuito de festivais. Nele, Marcelo Grabowsky segue de muito perto a atuação de sua mãe, a atriz Carla Ribas, dentro e fora da cena durante uma maratona teatral de 24 horas ininterruptas dirigida por Eduardo Wotzik.



Essas várias aproximações do cinema brasileiro contemporâneo com o teatro inspiraram a mais recente edição da revista Filme Cultura, dedicada ao tema. O que aparece de comum em todos esses filmes é o desejo de fugir ao mero registro e buscar uma interação diferente dos velhos modelos de adaptação teatral. Isso envolve encarar o palco de frente e sem medo para produzir alguma coisa que, no fim das contas, só compete ao cinema.



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