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UM MÍSSIL CHAMADO MICHAEL MOORE

24.03.2003
Por Carlos Alberto Mattos
UM MÍSSIL CHAMADO MICHAEL MOORE

Ele lavou nossa alma na cerimônia de entrega dos Oscar. Ninguém vai esquecer. Michael Moore subiu ao palco do Kodak Theatre acompanhado dos seus quatro concorrentes na categoria de melhor longa documentário e esculhambou o governo Wild Bush de fio a pavio: “Nós aqui gostamos de não-ficção”, iniciou, para desancar as “eleições fictícias” que deram num “presidente fictício”, que agora empreende uma guerra vergonhosa. “Shame on you, Bush!”, bradou antes de ser expulso da cena pelo gongo musical.



Outros enfrentaram a proibição e verbalizaram seu manifesto contra a guerra. Uns tímidos, como o ator coadjuvante Chris Cooper (de Adaptação), que refreou a raiva e pediu paz. Outros mais explícitos, como o ator mexicano Gael Garcia Bernal, que conclamou a memória de Frida Kahlo contra a guerra, ou Pedro Almodóvar, que dedicou o seu prêmio (melhor roteiro original por Fale com Ela) aos que estão se opondo ao conflito e defendendo a “legalidade internacional”. Mas nada se comparou à bela afronta de Michael Moore, com a solidariedade de seus colegas documentaristas. Estava consagrado o novo herói das cabeças progressitas do cinema americano.



Moore foi ovacionado de pé ao subir ao palco. Mas quando seu discurso feriu o ar, vaias se misturaram aos aplausos. Nada que o abatesse. Ele sabe que nada contra a corrente majoritária. Essa performance indignada e mirada com a precisão de um Scud é a típica resposta de Michael Moore à idiotia média americana.



Bowling for Columbine é o último petardo de um documentarista que não se contenta em seguir a reboque dos fatos. Ele faz os fatos acontecerem diante de sua câmera. Aqui ele constrói um libelo contra o culto dos americanos às armas de fogo e a facilidade com que se comercializam e se usam revólveres no país. Num dado momento do filme, Moore leva em cadeira de rodas um dos feridos no famoso atentado da escola Columbine ao supermercado onde o criminoso teria adquirido sua munição. Quer devolver o produto encravado no corpo do rapaz paraplégico. Em outra cena memorável, ele encosta o ator Charlton Heston contra a parede de sua própria mansão, questionando-o sobre sua militância a favor do porte de armas no âmbito da National Rifle Association. Heston não consegue atravessar esse novo Mar Vermelho e retira-se da entrevista, encolerizado.



Por tudo isso, foi uma surpresa e tanto ouvir o nome de Michael Moore no anúncio do Oscar. A escolha, por um momento, colocou em xeque todas as convicções sobre o conservadorismo e a adesão ao sistema por parte da Academia. Não é de hoje que a figura rotunda e o ar debochado de Moore incomodam as grandes corporações e o status quo político americanos. Em Roger and Me (1989) ele gastou muitas latas de filme perseguindo o chairman da General Motors por causa do corte de empregos na sua (de Michael) cidade natal de Flint, Michigan. The Big One, de 1998, cobria o tour de lançamento do seu livro Downsize This!, em que ele aprontava várias confusões em sedes de grandes empresas, denunciando a exploração de trabalho escravo em países do Terceiro Mundo.



O auge desse ativismo contundente e bem-humorado chegou em 2001, com o livro Stupid White Men, uma fundamentada demolição da legitimidade de Wild Bush no poder. Ele descreve a provável fraude na contagem dos votos da eleição de 2000 como “um golpe muito americano” e chama Bush de “Thief-in-Chief”, ou seja, “Ladrão-em-Chefe”. Alinha dados sobre a proverbial boçalidade e o alcoolismo do presidente. Cita nomes, números, fatos e endereços da internet da grande conspiração direitista americana para conquistar e manter o poder. Relaciona dados internos com o contexto internacional para demonstrar o grau de periculosidade da política externa republicana.



A primeira edição do livro saiu do prelo da HarperCollins no dia 10 de setembro de 2001, véspera do ataque às torres gêmeas. Moore teve que rebolar para que os volumes chegassem às livrarias, o que só aconteceria meses depois, em parte por causa da ajuda de uma bibliotecária de Nova Jersey. Moore conta essa ótima história na introdução da edição inglesa, em que também critica o servilismo dos governos britânicos ao grande irmão americano. Tomara que a edição brasileira, a sair em breve, inclua esse esclarecedor prefácio. E que o Oscar mais excitante dos últimos tempos ajude a trazer Bowling for Columbine aos nossos cinemas. Estamos profundamente necessitados do míssil Michael Moore.





conheça o site de Michael Moore



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