Especiais


FESTIVAL DO RIO 2012: JARDS

03.10.2012
Por Rômulo Cyríaco
NÃO SE FORÇA UM SONHO

JARDS (Brasil, 2012)

de Eryk Rocha



Desprovido tanto de bom gosto quanto de mau gosto – isto é, sem qualquer verdadeira proposta – Jards tem como resultado algo como um DVD comemorativo, que coloca o veterano artista para revisitar algumas de suas músicas inteiras, adicionando entre elas meras convulsões artísticas automáticas que, em vez de poesia, parecem máscaras poéticas mal reproduzidas, como se fizesse uso de um plug-in de lirismo no software de edição não-linear.



O novo filme de Eryk Rocha tenta ser muitas coisas que não é de verdade. Apenas as pretensões do projeto ficam "claras": não obtidas, não relevantes. Não há potência narrativa e não há potência poética. Restam algumas belas canções executadas pelo excelente músico que dá nome ao produto. A plateia bateu palmas ao fim de cada música tocada, o que nos revela algo muito significativo: respondeu-se ao filme como a um show – não como a um filme.



Jards falha na tentativa de criar um pequeno cosmos para ambientar seu personagem: cada elemento quebra o outro. Nada conversa e nada flui, as partes não se ajudam. Temos o som do mar em primeiríssimo plano sobre algumas imagens de Macalé no estúdio – mas essas imagens, em nenhum aspecto, se parecem com o mar. Fica nítida, não a poesia, mas a separação qualitativa abismal entre os elementos: o som não impregna a imagem. O filme faz para si a exigência de ser algumas coisas que essa própria exigência o distancia de ser.



Na sequência inicial, que causa uma ótima impressão, pensamos estar diante de um filme que vai sonhar. Mas o sonho logo é cortado, abortado, para se cair com tudo na maior literalidade possível. Jards mexendo numa gaveta, acertando o som, falando amenidades.... Depois disso, um pequeno trecho de poesia e logo o filme vai se esconder num longo plano fechado de Macalé cantando por muitos minutos... assim por diante.



O documentário, que compete na Première Brasil deste ano, falha também em sua tentativa ingênua de "mostrar o processo criativo do artista", porque mostrar Macalé sentado, ouvindo a faixa que foi gravada, pensativo, ou anotando as letras de uma música para o parceiro Luiz Melodia, entre outras ações do tipo, não é de modo algum se aproximar do "processo criativo do artista". É literal demais para ser. O processo criativo é, aqui, o que não é mostrado: é, talvez, duramente mimetizado, tanto no que diz respeito ao músico em questão, quanto ao que concerne ao cinema – em questão – e seus alcances.



Alguém no estúdio diz assim para Jards: "Sabe que tive um sonho?", e o filme corta para outra coisa. É claro que literalmente sabermos do sonho que o rapaz teve, em detalhes, pode não ser tão interessante para ser deixado no corte final do documentário. Mas manter no corte esta frase, que prenuncia que um sonho será contado, e cortar logo em seguida, é como o próprio filme percebendo e expressando o que faz: cortar o sonho.



Jards, o filme, nos mostra como uma obra cinematográfica pode cerrar os olhos e fazer força para o cérebro sonhar, em vez de docemente adormecer...







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