Críticas


FRIDA

De: JULIE TAYMOR
Com: SALMA HAYEK, ALFRED MOLINA, EDWARD NORTON, GEOFFREY RUSH
04.04.2003
Por Maria Silvia Camargo
A ARTE ENCAIXOTADA

Difícil saber se o mundo ama o sofrimento de Frida Kahlo ou a arte de Frida Kahlo. De qualquer forma, a partir dos anos 90 ela foi redescoberta e cai bem, a partir de então, dizer : “eu adoro Frida Kahlo”. Mais de cem livros foram escritos sobre ela, que atualmente é a pintora mais cara do mercado internacional. Mas se há uma única coisa que se possa depreender dos retratos mais sérios a seu respeito é: Frida Kahlo odiava as convenções. Nada mais alternativo do que sua figura – que misturava um buço significativo com anéis e roupas multicoloridas. Nada mais contraditório do que seu desejo de ser independente misturados à sua doentia obsessão por Diego Rivera. Nada mais chocantes para a época que suas bebedeiras, xingamentos e namoros com várias amigas. Nada mais bonito que seu amor ao México, ao comunismo, à arte – opções que a fizeram passar por períodos de grande privação material.



Quando se lê um bom livro sobre ela, então, quase que podemos sentir o cheiro de hospital misturado ao de suor. Imaginamos também a bagunça de seu quarto e atelier. A ‘vemos’ nas diversas passeatas e reuniões político-partidárias mancando horrivelmente, para depois chegar em casa e se encher de remédios contra a dor. Imaginamos as transas dela com Leon Trotsky – que não deveriam ser tão suaves quanto a do filme. Frida viveu uma vida dura.



Mas o filme de Salma Hayek é limpinho. O corpo nu que apareçe nas telas quando a personagem Frida está mostrando uma de suas cicatrizes, é o maravilhoso corpo de Salma Hayek. Nada a ver com o corpo de quem havia passado por mais de 15 cirurgias, algumas experimentais, tinha a coluna estilhaçada, um pedaço da pélvis enxertado na coluna e um pé torto. A irmã de Frida, Cristina, foi personificada pela deslumbrante Mia Maestro. A primeira mulher de Diego por Valeria Golino. E a anfitriã dos artistas mexicanos de então, Ashely Judd. Onde estão as mulheres dos anos 30, redondinhas e cheias de pêlos debaixo do braço? As casas também são lindas, limpas e multicoloridas. Em resumo, a direção de elenco e arte do filme está mais para anúncio de cereais produzidos por americanos que para a realidade do México do final dos anos 20/começo dos anos 50.



Outra opção asséptica: Frida viveu 25 anos às turras com o sempre difícil, egocêntrico e mulherengo Diego Rivera. Ela realmente o adorava “mais que a própria vida” como disse numa carta, mas esta opção suicida da moça está alinhavada de forma light no filme. Vale ler o sufocante e angustiante Cartas Apaixonadas de Frida Kahlo (da Editora José Olympio) para ter uma idéia da extensão da coisa. Numa delas, Frida escreve: “(…) Vocês não imaginam o quanto odeio a mim mesma. Perdi meus melhores anos sendo sustentada por um homem, sem fazer nada além do que julgava que o beneficiaria e ajudaria. Nunca pensei em mim mesma.” Por isto é que ela pouco acreditava na própria pintura, passando anos sem produzir e desconfiando da opinião alheia – fatos que o filme mal toca.



Três coisas, no entanto, se salvam (mas não chegam a salvar a fita): o esforço – inútil - de Salma Hayek por encarnar uma figura que tinha uma visão muito particular do mundo; a maravilhosa trilha sonora e os artistas convidados para interpretar seqüências do filme. Cinqüenta artistas gráficos se dividiram entre repintar as obras de Diego e Frida e interpretar trechos da história. A partir da cena do acidente, quando a artista se “vê” atendida no hospital por várias caveiras, sempre que ela imagina algo, um show entra em cena. Feitos pelos métodos de animação, pintura ou colagem, estas narrativas visuais são o ponto alto de Frida . São elas, mais a trilha sonora escolhida por Elliot Goldenthal (que inclui Burn It Blue, interpretada por Caetano Veloso) que representam algo um pouco mais próximo da verdadeira alma de Frida. De resto é um vazio só.



# FRIDA

EUA, 2002

Direção: JULIE TAYMOR

Roteiro: CLANCY SIEGEL, DIANE LAKE, GREGORY NAVA e ANNA THOMAS

Música: ELLIOT GOLDENTHAL

Fotografia: RODRIGO PRIETO

Elenco: SALMA HAYEK, ALFRED MOLINA, EDWARD NORTON, GEOFFREY RUSH, ASHLEY JUDD, ANTONIO BANDERAS



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