Críticas


ERA UMA VEZ EU, VERÔNICA

De: MARCELO GOMES
Com: HERMILA GUEDES, W.J. SOLHA, JOÃO MIGUEL
17.11.2012
Por Daniel Schenker
SUBJETIVIDADE EM FOCO

“A paciente em questão não tem tendência ao romance, apenas ao sexo”, constata Verônica (interpretada por uma visceral Hermila Guedes), a respeito de si, diante do gravador, objeto elevado ao status de confidente. Regrada no seu cotidiano de trabalho, sem amarras na vida pessoal, a personagem-título se pergunta sobre suas escolhas. Exerce a intimidade de maneira contundente, seja através de encontros fortuitos com homens, seja do afetuoso vínculo com o pai, Zé Maria (W.J. Solha, ótimo), e se cobra, em alguma medida, filiação a um formato de relacionamento mais estável com Gustavo (João Miguel), apaixonado por ela. Nesse novo filme, Marcelo Gomes apresenta mais um estudo de caso – de Verônica, que se coloca, subjetivamente, na posição de paciente – do que uma trama. Estampa na tela a jornada de autoaceitação da protagonista, tomando o devido cuidado para não julgá-la.



Verônica não é a única que busca se desvendar. Recém-formada em medicina, ela se depara com pacientes de uma classe social nada abastada que revelam desconhecimento das causas de suas mazelas. Na maior parte das vezes, os sintomas físicos decorrem de algo impalpável, difícil de ser definido. “Eu estou tão cansada. Tenho tudo. Não há motivo para ficar assim. Então, porque eu fico?”, questiona uma das pacientes. Marcelo Gomes lança um olhar interessado em direção aos menos favorecidos economicamente que lotam os hospitais públicos à espera de atendimento, chamando atenção para o fato de que seus sofrimentos não se devem tão-somente à falta de dinheiro, como se costuma difundir.



Em Era uma Vez Eu, Verônica , Marcelo Gomes se distancia do sertão de Cinema, Aspirinas e Urubus e de Viajo porque Preciso, Volto porque te Amo (codirigido com Karim Aïnouz), mas permanece atado ao passado. Se Cinema... era ambientado nos anos 40, em Era uma Vez... décadas anteriores são evocadas por meio de recordações de uma casa de infância, do gosto musical de Zé Maria e da decepção com as transformações no centro do Recife, onde havia cinemas de arte. A capital pernambucana, inclusive, é personagem determinante devido à importância do mar para Verônica, à conexão (ou ausência dela) entre os apartamentos e o espaço externo e ao registro da construção de edifícios contrastantes com a paisagem local. O resultado sensibilizou o júri do último Festival de Brasília, que conferiu os Candangos de melhor filme (dividido com Eles Voltam , de Marcelo Lordello), ator coadjuvante (W.J. Solha), roteiro (Marcelo Gomes), fotografia (Mauro Pinheiro Jr.) e trilha sonora (Karina Buhr e Tomaz Alves Souza), estatuetas que se somaram ainda ao Prêmio Vagalume e do júri popular.



Crítica publicada no jornal O Globo em 16/11/2012

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