Ao lado de Paul Thomas Anderson, Todd Solondz e alguns poucos outros nomes, Alexander Payne, 42 anos, é considerado um expoente da nova geração do cinema americano. Ele cultiva um cinema ácido, que faz crítica aguda a uma sociedade fincada em valores burgueses, muitas vezes mesquinhos. Os três filmes que dirigiu (Ruth em Questão, de 1996; Eleição, de 1999, e As Confissões de Schmidt) se passam na sua cidade natal, Omaha, no estado de Nebraska – um típico cenário próspero do interior dos Estados Unidos. “Agora chega de Omaha. Quero filmar em outras cidades, gosto de viajar”, disse, entre risos, nessa entrevista ao Críticos.com.br.
Alexander Payne tem humor afiado, fruto de uma cultura precoce que misturou quadrinhos, alta literatura e cinema. “Sempre fui um leitor voraz. Na escola, era bom em história, literatura e línguas. Minhas melhores notas foram em Latim”, conta. Chegou a cursar letras e aprendeu espanhol. Uma namorada brasileira lhe ensinou o português. “Também passei parte da minha juventude no cinema”, diz. Com As Confissões de Schmidt, Payne participou pela primeira vez da competição do Festival de Cannes (no ano passado), o que solidificou sua importância no cenário do novo cinema americano. Na época, já se falava na certeira indicação ao Oscar que Jack Nicholson ganharia pela sua interpretação.
Críticos.com.br - As Confissões de Schmidt é baseado no livro Sobre Schmidt, mas há pouco do romance de Louis Begley na tela. Por quê?
ALEXANDER PAYNE - Em 1990, quando me formei em cinema pela Universidade da Califórnia, a Universal me contratou para escrever um roteiro. Foi meu primeiro emprego. Passei um ano desenvolvendo uma história original chamada O Covarde (The Coward), mas quando ficou pronto eles recusaram. Acharam pouco comercial. Nessa mesma época eu e Jim Taylor, co-autor dos meus roteiros, tivemos a idéia para Ruth em Questão e resolvemos apostar nela. O Covarde foi para a gaveta. Quase oito anos depois, quando trabalhava na montagem de Eleição, um grupo de produtores me mandou Sobre Schmidt. Um desses produtores era Harry Gittes, velho amigo de Jack Nicholson, que avisou estar interessado no personagem. Quando terminei a leitura, me dei conta de que o tema era o mesmo de O Covarde. No processo de adaptação, fomos recorrendo ao roteiro várias vezes, até me dar conta de que quanto mais adaptávamos o livro, mais adaptávamos meu roteiro anterior.
Críticos.com.br - Quase todas as piadas são originais do roteiro, não?
ALEXANDER PAYNE - É verdade. Do livro, sobraram apenas o nome do personagem principal, a morte de sua mulher e o casamento de sua filha com um idiota. A correspondência de Schmidt com um garoto na África, sua viagem num trailer para o casamento da filha e 90% do roteiro final vieram de O Covarde.
Críticos.com.br - Como reagiram o autor Louis Begley e Jack Nicholson, que a princípio havia se interessado no personagem do livro?
ALEXANDER PAYNE - Begley, que é uma figura maravilhosa, adorou o filme e chegou a me dizer: “gostaria de tê-lo escrito!”. Nicholson leu o roteiro numa segunda, e na quarta feira seguinte marcou uma reunião para acertar detalhes de sua participação no filme.
Críticos.com.br - Mas o primeiro estúdio que produziria As Confissões de Schmidt, a Sony, desistiu mesmo depois de Nicholson ter aceitado o papel...
ALEXANDER PAYNE - Eles consideraram o roteiro arriscado demais. Mas não foi problema, pois a New Line adotou o projeto na hora. Nunca os filmes americanos, para saírem do papel, dependeram tanto de elementos de mercado e de marketing. Isso torna a vida de todos nós, que gostamos de fazer cinema com independência, mais difícil. Mas a New Line, com quem já estou habituado a trabalhar, me garante o direito ao corte final.
Críticos.com.br - Há grandes piadas no filme. As boas piadas do cinema surgem no roteiro ou na montagem?
ALEXANDER PAYNE - Para ser boas de verdade, elas precisam ser uma combinação dos dois. Eu simplesmente adoro escrever diálogos. Gosto de imaginar como os personagens expressariam suas idéias. É um exercício de observação das pessoas. Tento mostrar os americanos como eles são, seu jeito de falar, forma de construir as frases. Não consigo escrever nada que não seja para eu mesmo dirigir, mas a verdade é que filmar para mim é como nadar num oceano em direção a uma ilha. E essa ilha é a sala de montagem, a fase que eu mais gosto num filme.
Críticos.com.br - O fim que você escolheu para o personagem de Schmidt desagradou muita gente. Apesar de você ser cruel quase o tempo todo, parece ter dado ao personagem uma chance de redenção.
ALEXANDER PAYNE - Não concordo. O fim pode ser doce, mas não chega a ser uma redenção. Pessoalmente tenho pelo menos três leituras diferentes desse fim, mas a principal delas é a seguinte: passei o filme inteiro mostrando como esse cara é infeliz, e mais infeliz, e mais infeliz ainda. E no fim, o que acontece, é que ele é um pouco menos infeliz. Mas só por alguns instantes. Todo o uso da caridade no filme, especialmente no desfecho, pode ser considerado um recurso doce, mas que não diminui a condição do personagem nem muda sua vida.