Críticas


CARANDIRU

De: HECTOR BABENCO
Com: LUIZ CARLOS VASCONCELOS, IVAN DE ALMEIDA, AILTON GRAÇA, GERO CAMILO
10.04.2003
Por Maria Silvia Camargo
CARA A CARA COM QUEM NOS METE MEDO

Há, de cara, uma grande dificuldade no filme Carandiru : criar empatia do público com marginais e assassinos. Isto, numa época em que somos todos reféns de marginais e assassinos. Quando se lê o livro é mais fácil: pode-se fantasiar que o personagem Majestade, por exemplo, que vive ameaçando os outros para conseguir o que quer, é amoroso e tem traços finos. O leitor é sempre co-autor. Mas o filme dá voz e rosto àquilo que se leu.



Outro desafio: Carandiru está sendo lançado quase um ano após Cidade de Deus e fica impossível não comparar a violenta vida de crianças e jovens que ainda estão livres com a violenta realidade dos que ‘não tem mais jeito’. Mesmo assim o filme supera estas duas dificuldades. E figuras como Zico ( Wagner Moura); Lady Di (Rodrigo Santoro); Seu Chico (Milton Gonçalves), Sem Chance (Gero Camilo) e Deusdete (Caio Blat) saem conosco do cinema. Eles passam a fazer parte da infinita e diversa fauna humana que já conhecemos – e que não entendemos, mas não importa. O livro e o filme conseguem isto porque eles não os julgam.



Carandiru é um retrato poderoso do ser humano através dos olhos isentos e objetivos de um médico. Dentre os sete mil homens (espremidos no espaço de quatro mil) há de tudo: crentes; ladrões de bicicleta; travestis; matadores profissionais; inteligentes assaltantes de classe média; garotos que lavaram a honra da irmã. Todos misturados.



De cara o filme desmistifica algumas idéias que o público possa vir a ter sobre uma prisão: em primeiro lugar o Carandiru não era uma prisão. Os sete mil presos moravam lá. Só em uma parte do filme eles não tem o controle sobre suas casas: na época do massacre, em 1992. De resto, decoram as celas como querem, se vestem como querem e têm códigos de honra próprios. O diretor Pires ( Antonio Grassi ) só tem o controle da prisão porque divide poderes com o cozinheiro Nego Preto (Ivan de Almeida). É ele que – de comum acordo com seus comparsas - decide quem traiu a sociedade dos internos e merece morrer.



Outra idéia que fica bem clara: o Carandiru não recuperava ninguém. Poucos são os gestos que indicam que alguns daqueles homens repensaram suas vidas durante a pena. E estes poucos gestos foram arruinados pelo massacre. Quando o Estado – que deveria abrigá-los – envia a polícia e ela começa a perseguir os presos de cela em cela, fazendo com que eles corram como se fossem crianças apavoradas , sabemos que nada, nada adiantou. E logo há aquela cachoeira de sangue descendo as escadas.



O massacre é a segunda cena de maior impacto no filme. É bem filmada, bem fotografada, ultra bem iluminada, muito bem dirigida – uma porrada. O outro melhor momento vem um pouco antes deste: é um jogo de futebol. Se há um fiapo de esperança no filme é neste jogo. Os homens se transformam em inocentes, cantando o hino nacional com patriotismo, obedecendo ao juiz, vibrando na hora do gol – como se habitassem num lugar mágico e não numa prisão. O melhor é que Babenco consegue isto sem mudar a velocidade do filme ou apelar para efeitos especiais. É pura direção.



É claro que Carandiru tem um olho no mercado internacional. Os gringos se entenderão bem com a narrativa linear: o preso senta para uma consulta com o doutor (Luiz Carlos Vasconcellos) e aí começa a contar sua história. Esta forma de contar irá ajudar os gringos a entenderem a linguagem repleta de gírias e a lógica daquela que deveria ter sido uma prisão – mas não era. Nesta linha também seria dispensável a cena em que os internos na cozinha cantam um samba emblemático de sua condição – virou uma piadinha didática. Outro aspecto que poderia ser repensado é o do personagem do doutor Dráuzio Varela. Luiz Carlos foi dirigido para ser um narrador tímido, suave e muito sorridente. Bastava que sorrisse com os olhos, já tão expressivos. Dráuzio no livro tem um brilho, uma personalidade. Não porque ele se defina assim, mas é o que se depreende. Ficou condescendente no filme.



Mas estes são apenas detalhes. Carandiru é emocionante. Acerta na escalação de elenco (muito talentos novos, desconhecidos); no tom, nada piegas; na cenografia; no figurino. O filme é a síntese da mensagem do livro de Dráuzio: mesmo com seus inúmeros problemas, o Carandiru – assim como tantas outras prisões brasileiras – era um modelo de sobrevivência, de criatividade. Afinal, embora às vezes a gente esqueça, as prisões abrigam seres humanos – e não bichos.



# CARANDIRU

Brasil, 2003

Direção: HECTOR BABENCO

Roteiro: VICTOR NAVAS, FERNANDO BONASSI e HECTOR BABENCO

Produção: FABIANO GULLANE e FLÁVIO TAMBELLINI

Fotografia: WALTER CARVALHO

Montagem: MAURO ALICE

Direção de arte: CLÓVIS BUENO

Música: ANDRÉ ABUJAMRA

Elenco: LUIZ CARLOS VASCONCELOS, MILTON GONÇALVES, IVAN DE ALMEIDA, AILTON GRAÇA, GERO CAMILO, MARIA LUÍSA MENDONÇA, RODRIGO SANTORO

Duração: 146 min.

site: www.carandiru.com.br



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