O modelo de blockbuster ou filme arrasa-quarteirão hollywoodiano atual se distingue dos meros sucessos (só de bilheteria e direitos de filme para TV, cabo e DVD) por ser parte de uma programação extensa na qual o filme entra como engrenagem de um máquina maior (cheia de subprodutos, que na verdade, permitem aos caríssimos filmes ficarem no azul), cujo complexo grau de elaboração e constituição histórica (gestada nos anos 70), somado ao fato de que ele soma gêneros sem pertencer exatamente a nenhum (ação não é gênero dramático), não vem ao caso aqui.
A segunda adaptação dos quadrinhos X-Men traz os mutantes (seres humanos dotados de poderes especiais devido à mutações genéticas) perseguidos por um paranóico coronel do exército dos EUA, Stryker (Brian Cox), o que provoca a união momentânea entre o heróico Professor Xavier (Patrick Stewart), e seus pupilos, e o vilanesco Magneto (Ian McKellen). A descrição da trama, bem genérica, já serve como senha para o que há de bom e ruim no filme, com vantagem para a primeira opção.
X-Men II entretém com uma diversão muito bem executada, trazendo uma mensagem anti-intolerância e preconceito clara, e também ambígua, dizendo que às vezes para conquistar a paz é preciso sujar as mãos de sangue (nem que seja para se defender), que devemos nos abrir para o desconhecido mas que ele também pode trazer problemas (como os poderes da mutante Jean Grey, que na real só serão mostrados como prejudiciais no próximo filme), mas também irrita com uma sensação de continuum muito habitual quando se vê um tipo específico de arrasa-quarteirão (cujos exemplares, de um modo geral, trazem muito lixo ao lado de eventuais maravilhas, como acontece com todo tipo de cinema), que é aquele que surge de uma outra fonte de cultura pop (livros, gibis, videogames, etc).
Ele simultanemente agrada e pode ser visto por quem nunca leu os quadrinhos ou mesmo viu o primeiro filme (claro que deixando de entender muitas coisas), como procurar piscar o olho para os especialistas na saga, com detalhes que só ele notarão e poderão apreciar– este crítico parou de ler o gibi no começo dos anos 90 mas ainda foi capaz de detectar alguns. É uma obra que também prevê uma prolongamento para toda a estrutura dramática que levanta (quase como um daqueles seriados de aventuras semanais que passavam no cinema), porém, consumindo a si mesma, isto é, se por acaso nunca mais for feito um filme X-Men (impossível, ao menos mais um sai) o fim dessa parte 2 pode ser encarado como um fecho definitivo.
Tudo isto é o que há de mais eficiente e desagradável nesse tipo de arrasa-quarteirão: a noção que eles trazem embutidos uma coisa pré-filme, como se o cinema fosse apenas mais uma instância do processo de renovação da fonte original com o objetivo (em si nada funesto) de faturar oferecendo diversão decente, sendo que no tipo de caso em questão, isto acontece de forma meio forçosa.
O diretor Bryan Singer (de Os Suspeitos, e de O Aprendiz, pseudo e vulgar terror psicológico, também estrelado por Ian McKellen) conduz uma narração em X-Men II, que no plano estético, também mostra alguns dos defeitos mais claros dos arrasa-quarteirões, a saber: uma decupagem e montagem meio truncadas, e uma fotografia algo escura, ambas as coisas em função de um melhor ocultar e suavizar o que poderia parecer artificial demais no visual (ou para o senso comum, mal-feito), na manipulação dos efeitos especiais na pós-produção.
Só que esses defeitos aparecem em quantidade muito menor do que o habitual, e por isso mesmo, o filme traz várias belas cenas de ação, como o duelo de aviões no ar, a espetacular fuga de Magneto na prisão, e o duelo entre Wolverine e Yuko. E na verdade Singer parece muito mais à vontade como diretor nos dois X-Men, do que em O Aprendiz e Os Suspeitos (clássico exemplo de filme de roteiro).
Outro coisa que deve ser dita a favor do filme, é que embora nenhuma das perfomances neste filme deve constar ao final do ano entre as melhores de 2003, o nível de algumas interpretações por aqui é muito bom. A segunda escalação de Hugh Jackman como Wolverine confirma que este foi um dos maiores acertos da história do cinema para a escolha de um personagem cultuado em outro meio, e o aumento da participação da ótima (e ainda não bem aproveitada) Halle Berry (Tempestade), e de Rebecca Romjim-Stamos (Mística), deve ser fruto do sucesso delas, respectivamente, em A Última Ceia e Femme Fatale.
Porém o filme pertence mesmo aos mais experientes intérpretes masculinos, Patrick Stewart, Ian McKellen e Brian Cox (ator talentoso que tem aparecido em um monte de filmes nos últimos tempos), todos com preparo profissional (teatral antes de tudo) raro entre atores desse tipo de filme. E pertence sobretudo ao ainda pouco conhecido Alan Cumming (que aparecia bem em uma única cena de De Olhos Bem Fechados como o concierge, brilhante em filmes como Três Amigas e uma Traição, participou de um revival teatral de Cabaret). Como o mutante Noturno, que abre o filme na sequência do atentado, ele consegue certos momentos de força nada desprezíveis, mostrando uma personalidade conturbada (em especial na conversa no avião com Tempestade) e tendo que lidar com a pesada maquiagem azul que cobre seu personagem. Atenção ainda para a (boa) direção de fotografia de Newton Thomas Sigel. É dele também a iluminação de outra estréia da semana, Confissões de uma Mente Perigosa, que tem uma fotografia magistral.
# X-MEN II (X-MEN II)
EUA, 2003
Direção: BRYAN SINGER
Roteiro: BRYAN SINGER, MICHAEL DOUGHERTY e DANIEL P. HARRIS
Produção: LAUREN SHULER, AVI ARAD, STAN LEE
Fotografia: NEWTON THOMAS SIGEL
Montagem: JOHN OTTMAN E ELLIOT GRAHAM
Música: JOHN OTTMAN
Elenco: PATRICK STEWART, IAN MCKELLEN, HUGH JACKMAN, BRIAN COX, ALAN CUMMING, HALLE BERRY, FAMKE SANSSEN, REBECCA ROMJIN-STAMOS, ANNA PAQUIN, JAMES MARSDEN, SHAWN ASHMORE, AARON STANFORD, BRUCE DAVISON, KELLY HU.
Duração: 120 min.
site: www.x-2-movie.com