Críticas


DESMUNDO

De: ALAIN FRESNOT
Com: SIMONE SPOLADORE, OSMAR PRADO, CACO CIOCLER
29.05.2003
Por Maria Silvia Camargo
A HISTÓRIA FEMININA DA COLONIZAÇÃO

Foi há pouco tempo que nosso cinema começou a contar a história não oficial do Brasil. Mas Carlota Joaquina , Canudos e A Invenção do Brasil por exemplo, ainda se baseavam numa cronologia e veracidade históricas. Um dos atrativos de Desmundo , romance de Ana Miranda adaptado por Alain Fresnot para o cinema, é que ele se baseia num detalhe da história: em 1550 o padre Manoel da Nóbrega pede ao rei de Portugal que envie à terra recém-descoberta umas órfãs brancas, “que farão cá muito bem à terra (…) e os homens de cá apartar-se-ão dos peccado” . Desmundo é, então, a história de uma destas órfãs, ou seja, a história da colonização do ponto de vista feminino.



Nada menos oficial do que o Brasil em 1570 contado pelos olhos de uma adolescente (16 anos), que do mundo só conhecia um convento em Portugal. Neste ponto, o filme de Fresnot é exemplar ao recriar o choque da heroína de Ana Miranda diante do Novo Mundo. A menina – que se chama Oribela (Simone Spoladore) – espera do além-mar um universo de sonhos e belezas coloridas, o paraíso. E o que encontra aqui é um começo de povoado, habitado por uma gente rude e violenta. Oribela é dada em casamento a um homem “que estava sujo, imundo” e ela cospe em seu rosto. Arriscando ser morta (nesta época na Europa as mulheres podiam ser mutiladas por recusar marido) ela é entregue então a Francisco de Abuquerque (Osmar Prado), que tenta conformá-la como sua mulher. Mas Oribela não se conforma.



Extremamente bem recriado (pela direção de arte de Adrian Cooper, os figurinos, os adereços de cena), o Novo Mundo tem muitos aspectos incompreensíveis e incômodos. A língua é um deles. Os portugueses falam o português quinhentista (mistura de português com espanhol), tão diferente do que se conhece, que são necessárias legendas para que se possa acompanhar o filme. Os índios falam pelo menos três línguas diferentes entre si, algumas delas traduzidas para o público, outras não. O resultado final desta atmosfera criada pelo diretor é bem real: a então Terra de Santa Cruz deveria ser assim mesmo. Nele, os padres jesuítas (Olayr Coan e Fábio Malavoglia) são comerciantes de gente e de almas. O dono de engenho Francisco (Osmar Prado) é um boçal desbravador de terras e da virgindade de muitas mulheres (não importando se elas são da sua própria família ou não). A mãe dele, Dona Branca (Berta Zemel) é tão cruel com todos como foram com ela. Pois Oribela é o contraponto a isto tudo.



Enquanto representantes desta cultura selvagem, Osmar Prado, Berta Zemel e Beatriz Segall – que faz uma ponta inesquecível – dão um show de interpretação e legitimam o filme, ao compreenderem cada pequeno aspecto dos seus papéis. Já Simone Spoladore e Caco Ciocler (como o comerciante Ximeno Dias) oscilam um pouco. Ambos careciam de uma direção mais firme, basta ver como renderam em outros filmes. Alain Fresnot apostou muito no físico de Simone, explorando um pouco excessivamente a beleza de seu rosto. O personagem de Caco fica sem personalidade, como uma vítima das circunstâncias. Nem por isto Desmundo deixa de ter seu impacto. Teria outro bem maior, se Fresnot não tivesse enxugado um pouco da paixão de Oribela, que, segundo Ana Miranda, “comia dos pratos dos naturais e se desnudava nos dias quentes, deixando os chicos chuparem seus peitos, dançava, de modo que Dona Branca veio baixar umas regras, antes que ela virasse uma bárbara da selva e se metesse a comer carne humana”.





# DESMUNDO

Brasil, 2002

Direção: Alain Fresnot

Roteiro: Sabina Anzuategui

Produção Executiva: Van Fresnot

Direção de Fotografia:Pedro Farkas

Diretor de Arte: Adrian Cooper, Chico Andrade, Junior Carone

Montagem: Junior Carone, Mayalu Oliveira, Alain Fresnot

Música: John Neschling

Figurino: Marjorie Gueller

Maquiagem: Vavá Torres

Edição de Som: Roberto Ferraz

Som direto: Romeu Quinto

Duração: 100min

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