Kamchatka entra na fila dos títulos que podem ser desfrutados pelo espectador com evidente prazer. Ricardo Darín e Cecília Roth, atores que marcaram presença em filmes aprovados pelo público brasileiro – no caso dele, a popular comédia doce-amarga O Filho Da Noiva e o thriller Nove Rainhas e no dela, a protagonização na psicologia refinada de Tudo Sobre Minha Mãe –, insuflam vitalidade a um casal carismático, obrigado a se esconder com os filhos pequenos devido ao contexto adverso da ditadura argentina. Mas o diretor Marcelo Piñeyro, que atuou no passado como produtor de A História Oficial (obra também referente aos anos de chumbo e dotada de incontestável peso político), vende como novo um produto que não chegou hoje ao mercado.
Mostrar crianças como focos centrais de uma experiência adulta não é novidade. Talvez a única nuance no caso de Kamchatka resida no fato de que a visão dos adultos permanece como base – são eles que resguardam a inocência das crianças (de modo a levá-las a encarar a abrupta quebra da rotina familiar como uma grande aventura). E tratar de uma questão do país a partir de uma perspectiva íntima, com a realidade política influenciando diretamente no processo de crescimento de dois garotos, não parece uma investida original.
A especificidade de Kamtchatka também não se encontra no contraste entre a tensão do mundo externo e o esforço em sustentar uma harmonia familiar. Ela está, possivelmente, no retrato habilidoso das relações masculinas – apesar da forte presença da mãe, fica destacado o contato entre o avô (boa participação de Héctor Alterio), o pai, o filho mais velho e Lucas, mais um integrante deste registro da vida na clandestinidade – e na constatação de que os elos afetivos podem sobreviver na distância. Conceitos mantidos em meio à tendência de Piñeyro, aqui distante da força de Plata Quemada , de sublinhar evidências (ninguém sairá do cinema sem a certeza de que Kamchatka é o lugar da resistência e do significado disto na trajetória das personagens). E foi provavelmente o padrão de correção desta produção que levou a Argentina a indicá-la como candidata do país ao Oscar 2003.
# KAMCHATKA
Argentina/Espanha, 2002
Direção: MARCELO PIÑEYRO
Roteiro: MARCELO FIGUERAS e MARCELO PIÑEYRO
Fotografia: ALFREDO F. MAYO
Elenco: RICARDO DARÍN, CECÍLIA ROTH e HECTOR ALTERÍO
Duração: 105 minutos