Katharine Houghton Hepburn nasceu no dia 12 de maio de 1907, em Hartford, Connecticut. De tradicional família burguesa da Nova Inglaterra, cresceu em ambiente liberal, mas disciplinado. Seu pai era médico e sua mãe era uma sufragista, como chamavam aquelas que lutavam para que o direito de voto se estendesse às mulheres. Era muito ligada ao irmão Tom, e o primeiro forte golpe em sua vida foi encontrá-lo morto, enforcado, provavelmente por acidente, numa brincadeira ensinada pelo pai. Durante muito tempo, usou a data de nascimento dele, 8 de novembro, como se fosse a sua.
Katharine, que foi educada no Brym Mawr College, tradicional escola da Pensilvânia, estreou, aos três anos, em espetáculos feministas organizados pela mãe. Aos 12, apareceu em montagens teatrais amadoras. Reservada e decidida, resolveu ser atriz. Mas, de personalidade obstinada e impetuosa, costumava complicar as coisas. Em junho de 1928, em Baltimore, teve uma pequena participação na peça Czarina, produzida por Edwin Knopf. Mas, antes do final do ano, já trabalhava na Broadway e se casava com Ludlow Ogden Smith, da alta sociedade da Filadélfia, de quem se divorciou em 1934.
De 1928 a 1931, sofreu vários insucessos, causados por sua forte personalidade e extrema franqueza. Teve sérios problemas com produtores e diretores, sendo, muitas vezes, substituída antes mesmo da estréia da peça. Em 1932, por exemplo, chamou a atenção da mídia porque foi contratada, despedida e recontratada, enquanto ensaiava, na Broadway, a peça The Warrior’s Husband, que foi, afinal, seu primeiro sucesso de crítica. A RKO foi audaciosa, portanto, ao chamá-la, naquele mesmo ano, para aparecer ao lado de um mito como John Barrymore, em Vítimas do Divórcio (A Bill of Divorcement). O diretor era George Cukor, que, depois, viria a ser seu grande amigo e diretor preferido. O filme foi um sucesso. No ano seguinte, no papel de uma jovem atriz arrivista, ganhou seu primeiro Oscar, em Manhã de Glória (Morning Glory). Era seu terceiro filme. Antes desse, fizera também Assim Amam as Mulheres (Christopher Strong), dirigido por Dorothy Arzner.
Com dois sucessos logo de início, a RKO resolveu transformá-la numa estrela, mas ela não conseguia se comportar como tal – fugia dos caçadores de autógrafos, mantinha em segredo a vida particular, recusava-se a dar entrevistas e andava pela cidade de calças compridas e sem maquiagem, além de preferir não se relacionar com artistas de Hollywood, mas com um seleto grupo de intelectuais. Em 1933, outro sucesso -- As Quatro Irmãs (Little Women), em que interpretava a decidida Jo, um papel que parecia especialmente criado para ela, apesar de baseado no clássico romance de Louisa May Alcott, filmado outras vezes, antes e depois.
Em A Mulher que Soube Amar (Alice Adams),1935, com a criação minuciosa da modesta provinciana que cai numa cruel armadilha do mundo social, recebeu nova indicação para o Oscar. Nos dois anos seguintes, com altos e baixos, trabalhou em Vivendo em Dúvida (Sylvia Scarlett), de George Cukor, Maria Stuart (Mary of Scotland), de John Ford, Liberta-te, Mulher (A Woman Rebels), de Mark Sandrich, A Rua da Vaidade (Quality Street), de George Stevens, e No Teatro da Vida (Stage Door), de Gregory La Cava. Vieram, então, em 1938, um fracasso e um sucesso – Levada da Breca (Bringing Up Baby), hoje considerado um clássico das comédias malucas foi mal na bilheteria, e Boêmio Encantador (Holiday) – ambos ao lado de Cary Grant.
Hepburn ficara com a fama de intratável. Além disso, ainda estavam contra ela a pronúncia da Nova Inglaterra, seu humor ferino e seu jeito meio desengonçado e andrógino. Um grande exibidor a chamou de “veneno de bilheteria”. Ela se afastou de Hollywood, jurando que só voltaria em condições muito favoráveis. Durante esse período, a imprensa fez tudo para derrubar a barreira que ela erguera quanto à sua vida particular, insinuando romances com o agente Leland Hayward e o produtor Howard Hughes.
Katharine recusou várias propostas e foi recusada para o papel de Scarlett O’Hara, em ... E o Vento Levou.
Sem receber salário, mas com uma percentagem dos lucros e os direitos de filmagem, ela trabalhou na peça de Philip Barry (o mesmo de Holiday) Philadelphia Story. O sucesso foi enorme, aumentando sua reputação e sua conta bancária. Vendendo os direitos à Metro, ela exigiu que o diretor fosse George Cukor e os intérpretes Cary Grant e James Stewart. No Brasil, o filme se chamou Núpcias de Escândalo. Rendeu um Oscar para Stewart, mais uma indicação para ela, uma grande bilheteria, além de marcar o início de seu reinado como superstar da MGM.
Brilhante, sofisticada, a voz bem colocada, nervosa e seca, com o olhar firme, mas demonstrando vulnerabilidade e emoção, ela criou um feminismo elegante e glamuroso.
Com o filme seguinte, na Metro – A Mulher do Dia (Woman of the Year),1942 –, recebeu a quarta indicação para o Oscar e, por exigência sua, a parceria de Spencer Tracy, com quem teria uma ligação fortíssima e original, completamente diferente dos padrões da terra do Cinema. Até os maiores colunistas de fofocas de Hollywood não comentavam a relação entre eles, em deferência ao respeitado casal. Por motivos religiosos, Tracy nunca se divorciou de Louise, com quem era casado desde 1928. O relacionamento entre ele e Hepburn durou 25 anos, até a morte do ator, em 10 de junho de 1967.
Fizeram juntos mais oito filmes: Fogo Sagrado (Keeper of the Flame),1942, Sem Amor (Without Love),1945, Mar Verde (Sea of Grass),1947, Sua Esposa e o Mundo (State of the Union),1948, A Costela de Adão (Adam’s Rib),1949, A Mulher Absoluta (Pat and Mike),1952, Amor Eletrônico (Desk Set),1957, e Adivinhe quem Vem para Jantar (Guess Who’s Coming to Dinner,1967. O escritor e diretor Garson Kanin, amigo dos dois, escreveu sobre eles, em 1971, um livro que se tornou bestseller e é uma emocionante homenagem ao casal: Tracy and Hepburn: An Intimate Memoir.
Na década de 1950, três grandes filmes marcaram a carreira de Hepburn: Uma Aventura na África (African Queen),1951, de John Huston, (sobre o qual ela escreveria, em 1987, The Making of the African Queen), Quando o Coração Floresce (Summertime),1955, de David Lean, e De Repente, no Último Verão (Suddenly Last Summer),1959, de Joseph L. Mankiewicz. Esses três e mais Lágrimas do Céu (The Rainmaker),1956, lhe valeram mais quatro indicações para o Oscar. Depois de 1962, quando fez Um Longo Dia de Viagem dentro da Noite (Long Day’s Journey Into Night), que lhe deu o prêmio de Melhor Atriz no Festival de Cannes, além de outra indicação para a estatueta dourada, ela ficou cinco anos sem trabalhar. Tracy estava muito doente e, em 1965, num momento de crise, ela chegou a se alternar com Louise à cabeceira dele.
Quando filmou de novo, foi ainda com ele, em Adivinhe quem Vem para Jantar, de Stanley Kramer, ao lado de Sidney Poitier e Katharine Houghton (sua sobrinha na vida real). Apesar de ganhar com ele seu segundo Oscar, Katharine sempre se recusou a ver esse filme porque Tracy faleceu pouco tempo depois do fim das filmagens. No ano seguinte, veio o terceiro Oscar, em O Leão no Inverno (The Lion in Winter), num empate com Barbra Streisand. E, em 1981, o quarto, com Num Lago Dourado (On Golden Pond), com Henry e Jane Fonda.
Na Broadway, depois de longa ausência, fez Coco, em 1969, e A Matter of Gravity, em 1976. Nessa época, começou, também, a estrelar filmes para a televisão, o que continuou a fazer até à década de 90, mesmo já bastante trêmula devido ao Mal de Parkinson, que ela negava sofrer, dizendo que herdara do avô o tremor da cabeça.
E foi na última década do século 20 que ela se retirou para sua casa de Connecticut, onde escreveu Me, sua autobiografia. Ali, sua saúde foi piorando, até o desenlace, no domingo, 29 de junho de 2003.
Outros de seus filmes: A Mística (Spitfire),1934, Sangue Cigano (The Little Minister),1934, Corações em Ruínas (A Break of Hearts),1935, A Mulher e a Guerra nos Estados Unidos (Women in Defense),1941, curta de 10 minutos, em que ela lê um texto de Eleanor Roosevelt, uma ponta em Noivas de Tio Sam (Stage Door Canteen),1943, A Estirpe do Dragão (Dragon Seed),1944, Correntes Ocultas (Undercurrent),1946, foi narradora em The American Creed,1946, curta de 20 minutos, produzido por David Selznick e dirigido por Robert Stevenson, Sonata de Amor (Song of Love),1947, A Saia de Ferro (The Iron Petticoat),1956, A Louca de Chaillot (The Madwoman of Chaillot),1969, As Troianas (The Trojan Women),1971, A Delicate Balance (na TV: Um Equilíbrio Delicado),1973, Justiceiro Implacável (Rooster Cogburn),1976, A Grande Aventura (Olly Olly Oxen Free ou The Great Baloon Adventure),1978, The Ultimate Solution of Grace Quigley (em vídeo: Grace Quigley, um Jogo de Vida e Morte),1984, George Stevens: a Filmmaker’s Journey - documentário – 1984, Love Affair,1994.
Na televisão: Algemas de Cristal (The Glass Menagerie), sua estréia dramática na TV, em 1973, Amor entre as Ruínas (Love Among the Ruins), com Laurence Olivier, quando ambos ganharam um Emmy, em 1975, O Milho Está Verde (The Corn is Green), como uma professora galesa, em 1979, O Casamento da Sra. Delafield (Mrs. Delafield Wants to Marry),1986, Laura Lansing Dormiu aqui (Laura Lansing Slept Here),1988, The Man Upstairs,1992, Vestígios de uma Paixão (This Can’t Be Love),1994, One Christmas,1994.
Somente agora Meryl Streep bateu seu recorde de 12 indicações para o Oscar, mas ela ainda é a atriz recordista em vitórias, com suas quatro estatuetas. Foi considerada, pelo American Film Institute, em junho de 1999, a maior atriz do Cinema americano e uma das cinco maiores estrelas do Cinema mundial.
Texto extraído do livro Tudo Sobre o Oscar, de Fernando Albagli