Em Abandono do Sucesso, assim como em Banhos, o filme anterior do diretor Zhang Yang, a China transformada pela abertura econômica é o cenário onde se desenvolve uma comovente história sobre a relação pai-filho. A idéia não é nova no recente cinema oriental – a trilogia de Ang Lee (A Arte de Viver, Banquete de Casamento e Comer, Beber, Viver) é o exemplo mais conhecido.
O que torna Abandono do Sucesso especial é a forma como Yang enfatiza o realismo da história que está contando. O fato de os atores principais estarem interpretando a si mesmos, mais do que uma mera curiosidade de produção, empresta ao filme uma grande carga de verdade e dramaticidade. Afinal, o tema em questão é delicado e tocante. Jia Hongsheng, um jovem ator chinês que despontou para o sucesso em filmes de ação no final dos anos 80, viu sua careira ser interrompida ao ceder ao vício das drogas pesadas que ficaram populares no meio artístico chinês a partir daquela época. Na tentativa de ajudá-lo, os pais foram morar com ele em Pequim, e o que se constituiu a partir dali foi um processo de re-conhecimento e compreensão mútua entre Jia e seu pai.
Encenar suas próprias vidas não deve ter sido fácil para Hongsheng e família, principalmente por serem obrigados a revisitar momentos de dor e angústia. Seria muito fácil que tudo descambasse no pieguismo e transformasse o filme em um legítimo dramalhão folhetinesco. Mas o diretor Zhang Yang consegue driblar essa armadilha conferindo ao filme uma estrutura original. Logo de cara, ele informa que estamos diante de uma história verídica interpretada por quem a protagonizou na vida real, e procura relembrar o espectador disso ao longo do filme, com a inserção de depoimentos dos atores para a câmera, em estilo documental. Por outro lado, em alguns momentos a câmera se afasta e revela que o apartamento onde se desenrola boa parte da ação não passa de um cenário montado num palco de teatro.
Com isso, Yang nos mostra que nenhuma encenação do real é capaz de atingir a verdade absoluta. Por mais que, como nesse caso, haja elementos que a aproximem disso, a dramaturgia sempre irá funcionar como elemento filtrante, e a idéia de mostrar o cenário teatral foi a grande sacada do diretor para traduzir isso visualmente.
O mais difícil, nos filmes que ostentam a estampa “baseado em fatos reais”, é fazer com que o espectador acredite e reconheça a realidade ali. O fato de pai e filho estarem representando a si mesmos pode ajudar pela cumplicidade natural entre eles, mas não há garantias de que, com a câmera ligada, eles consigam se auto-representar fielmente e com naturalidade. Felizmente, a boa direção e os ótimos diálogos fizeram com que a química entre os dois funcionasse, proporcionando grandes cenas, como aquela em que Hongsheng obriga o pai a vestir uma de suas calças jeans, ou o momento em que os dois bebem cerveja na grama sob um viaduto, tendo a movimentadíssima e urbana Pequim moderna por trás.
O simpático Banhos parecia um filme com ambições menores (embora seu tema fosse relevante), e volta e meia caía no esquematismo com as tentativas de emprestar humor ao filme (o cantor de Sole Mio no chuveiro, o irmão retardado). Com Abandono do Sucesso, Zhang Yang atira em várias direções (drogas X sucesso, rebeldia X família, modernidade X tradição) e acerta em todas. Por mais que o roteiro tenha pequenas imperfeições que tornam a narrativa do filme por vezes irregular, o tratamento original e o humanismo de sua história o colocam como um filme especial, que tem que ser visto e recomendado.
# ABANDONO DO SUCESSO (ZUOTIAN)
China, 2001
Direção: ZHANG YANG
Roteiro: ZHANG YANG e HUO XIN
Produção: PETER LOEHR
Fotografia: SHOUQI CHENG e WANG YU
Montagem: YANG HONGYU
Elenco: JIA HONGSHENG, JIA FENGSEN, CHAI XIULING, WANG TONG
Duração: 118 min.