Críticas


DOMÉSTICA

De: GABRIEL MASCARO
02.05.2013
Por Carlos Alberto Mattos
Documentário põe a nu a dialética entre perpetuação e diluição das relações senhoriais do passado.

Minha querida empregada



O êxito de O Som ao Redor despertou quem ainda estava adormecido para a importância do estudo que, com surpreendente unidade, vêm fazendo os cineastas de Recife a propósito das aspirações da classe média urbana atual. Um Lugar ao Sol, de Gabriel Mascaro, Pacific e Câmara Escura, de Marcelo Pedroso, e Praça Walt Disney, de Sérgio Oliveira e Renata Pinheiro, para só citar os que conheço, têm seus valores individuais realçados pelo conjunto dessas obras.

No curta Câmara Escura, Pedroso deixa uma caixa contendo uma minicâmera ligada nas portas de casas bem protegidas do bairro rico de Casa Forte. Toca a campainha avisando que tem um embrulho na porta e desaparece do lugar. Mais tarde, ele retorna e pede de volta o equipamento. O filme é composto das variadas reações dos moradores a esse achado intrigante ou aparentemente ameaçador. Como fez em Pacific, que retratava cruzeiros a Fernando de Noronha através de filmagens domésticas de turistas, Câmara Escura quer colher a expressão mais pura, menos mediada possível, de uma classe média em busca de segurança e prazer.

Entre esse filme e Doméstica há muito mais em comum do que a “renúncia” ao controle da câmera e da documentação pelos respectivos diretores. Há principalmente um discurso dos cineastas pernambucanos que se alarga e se refina sobre a classe média brasileira. Em seu projeto, Mascaro entregou câmeras a sete adolescentes de seis capitais brasileiras e pediu que eles filmassem as empregadas domésticas da família durante uma semana. Montou o filme exclusivamente com esse material.

O simples fato de transferir para os jovens a seleção de momentos, o grau de proximidade e o tipo de relação entre quem filma e quem é filmado já garante um ponto de vista diferenciado. Mais que isso, gera uma tensão muito típica dos contatos entre patrão e empregado no âmbito doméstico. A pouca idade dos filmadores ameniza um bocado essa tensão, mas ela está lá, explicita ou implicitamente, naqueles atos de flagrar, expor, conversar. A diversidade de posturas dos empregados, as relações de cada um com o espaço físico da casa, a maneira como cada qual reage ao fato de se tornar estrela do filme, tudo isso diverte e constrange ao mesmo tempo.

O pernambucano Gilberto Freyre e o paraibano José Lins do Rêgo deixaram escritos fundamentais sobre as relações históricas de afeto e poder entre patrões e empregados. Os realizadores pernambucanos retomaram essa linhagem. Doméstica põe a nu uma dialética entre a perpetuação e a diluição das relações senhoriais do passado. Mostra que ainda prevalece a passagem dos empregados como “heranças” entre várias gerações da família, assim como os casos em que se dissolvem as fronteiras entre a família do empregado e a do patrão. Não há a denúncia "apresentada" como nos filmes sociais do passado, mas a exposição "representada" de uma dinâmica bem mais complexa do que os clichês da sociologia e da ideologia.

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