Críticas


O QUE SE MOVE

De: CAETANO GOTARDO
Com: FERNANDA VIANNA, CIDA MOREIRA, ANDREA MARQUEE
12.05.2013
Por Daniel Schenker
O filme exige um espectador disposto a fazer um exercício de desaceleração. Quem aceitar sairá recompensado.

Caetano Gotardo concebeu um filme de construção rigorosa centrado em três histórias, baseadas em notícias de jornal, nas quais os personagens – com destaque para as figuras das mães – são confrontados com uma tragédia. Os dois primeiros episódios encerram com circunstâncias aterrorizantes, enquanto que o terceiro evolui no sentido da possibilidade de resolução de um fato dramático. Cada parte de O que se move termina com a mãe cantando o seu sofrimento através de letras que relatam a dor sem subterfúgios poéticos. As atrizes cantam sem visar ao belo. Suas vozes surgem afetadas pela humanidade, o que contrasta com o proposital artificialismo do recurso.

Na primeira parte, o público acompanha o último dia de férias de um adolescente e a aparentemente apaziguada relação familiar, cotidiano abalado com visitas inesperadas na manhã seguinte. O desfecho realça a estrutura lacunar da história, os poucos momentos em que o espectador não testemunha as ações do personagem do filho. Cida Moreira, no papel da primeira mãe, está luminosa e abre mão da vaidade ao cantar, o que surpreende justamente por sua trajetória como cantora. A atriz domina com mais habilidade o registro destituído de impostação, desdramatizado, proposto pelo cineasta do que os atores mais jovens.

Na segunda, Gotardo apresenta um dia na vida de um casal com filho pequeno, evidenciando a sensação de incômodo do marido, inexplicável até o desenlace. O diretor trabalha bem com a ausência de texto verbal em determinados instantes, extraindo expressiva interpretação do ator Rômulo Braga nas passagens em que não consegue decodificar aquilo que sente. Quando a situação é revelada, contudo, a reação da mulher diante do marido soa algo inverossímil. O canto humanizado, na contramão do perfeccionismo, também se constitui como desafio para Andrea Marquee, atriz com experiência acumulada em musicais.

Na terceira, o espectador assiste ao reencontro dos pais com o filho do qual foram subitamente separados após o nascimento. O elemento surpresa é menor nessa história que, porém, sobressai pelo admirável domínio de Gotardo acerca dos tempos mortos, preenchidos pela atmosfera de constrangimento que se estabelece entre duas famílias (a de sangue e a de criação) de classes sociais diversas dentro de um restaurante. Especialmente nessa história, potencializada pela atuação de Fernanda Vianna (vencedora do kikito de melhor atriz no Festival de Gramado), o não-dito vale mais do que o explicitado.

O que se move desponta na tela como uma empreitada, até certo ponto, árida, que exige um espectador disposto a fazer um exercício de desaceleração. Quem aceitar sairá recompensado.

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