No próximo ano, provavelmente várias homenagens serão prestadas, mundo afora, a Jean-Pierre Grumbach.
Mas se ele for apresentado assim, com seu nome verdadeiro, quase ninguém vai identificá-lo como o grande diretor francês que adotou o sobrenome Melville devido à admiração pelo romancista americano Herman Melville (1819-1891), autor de Moby Dick, a obra-prima sobre a luta entre a grande baleia branca e seu inimigo de morte, o Capitão Ahab.
As homenagens serão pelo trigésimo aniversário de sua morte, aos 55 anos – ele nasceu em Paris, no dia 20 de outubro de 1917, morrendo na mesma cidade, em 2 de agosto de 1973.
Amante de cinema desde a infância, Jean-Pierre ganhou de seu pai uma câmera e, com ela, experimentou fazer alguns filmes.
Aos 22 anos, prestava serviço militar, quando estourou a Segunda Grande Guerra. Algumas fontes registram sua ida para a Inglaterra, depois de Dunquerque. Segundo outras, ele teria ficado na França, durante dois anos, como membro da Resistência e, depois sim, se juntado à chamada França Livre, na terra de Churchill, tendo tomado parte na invasão da Itália e na liberação de Lyon.
Certo mesmo é que, aos 29 anos, não conseguindo trabalhar em nenhum estúdio francês, formou sua própria companhia produtora, começando a fazer filmes de orçamentos apertadíssimos, trabalhando sempre em locações, sem astros no elenco, com equipes diminutas, a ponto de, várias vezes, ele mesmo ser o cinegrafista ou o diretor de arte.
Essa economia na produção influenciou bastante os primeiros diretores da Nouvelle Vague, apesar de que seu estilo e sua filosofia de fazer cinema pouco tinham a ver com ela. Mesmo assim, ele foi considerado o "pai espiritual" do movimento que criou a Teoria do Autor, inspirada no manifesto (1948) de Alexander Astruc, o caméra-stylo que, ao pé-da-letra, significa câmera-caneta, e expressava a idéia de que o cinema era uma arte autônoma, com linguagem própria.
No mínimo dez anos mais velho que os rapazes do Cahiers du Cinéma – Godard e Chabrol, de 1930, Truffaut, de 1932, Rivette, de 1928 – com exceção de Eric Rohmer, que era apenas três anos mais jovem que ele, Melville fez seu primeiro longa em 1949, justamente quase dez anos antes de Nas Garras do Vício, o primeiro de Chabrol, e dez antes de Acossado, o primeiro de Godard e Os Incompreendidos, o primeiro de Truffaut.
Essa estréia de Melville foi Le Silence de la Mer, um drama de guerra, em preto-e-branco, passado em 1941, numa pequena cidade da França ocupada. Com roteiro de sua autoria, baseado num romance da Resistência, foi distribuído completamente fora dos canais tradicionais. Ele também fez a montagem e produziu.
Antes, tinha feito Vingt Quatre Heures de la Vie d´un Clown, em 1946, um curta de 18 minutos, que, depois, ele repudiou.
O segundo longa - Les Enfants Terribles,1950 –, feliz adaptação do romance de Jean Cocteau, que também colaborou com ele no roteiro, aumentou o respeito que já granjeara com o primeiro. Foi também o produtor e o designer de produção.
Preciso e metódico, Jean-Pierre Melville conseguiu, na década de 1960, trabalhar com orçamentos maiores, com a possibilidade de chamar atores mais importantes, como Alain Delon e Jean-Paul Belmondo, que contribuíram, com sua presença no elenco, para que seus filmes conquistassem platéias mais numerosas.
Adrian Danks, diretor da Cinemateca de Melbourne e professor universitário, resume, num artigo, o que ele considera duas das preocupações-chave e lições dos filmes de Jean-Pierre Melville. Primeiro, a lição: a substância do filme reside na observação do detalhe, da vida num momento preciso e lugar específico. Segundo, a preocupação: a atitude de qualquer personagem no seu muindo, quanto aos códigos morais que dão sentido às suas ações e à sua vida. Esses códigos estão presentes em todos os personagens centrais de Melville, conferindo às suas ações e atitudes uma "espécie de pureza", sejam eles gângsteres, assassinos, oficiais alemães, ladrões, membros da Resistência, simpatizantes comunistas ou padre.
Melville apareceu como ator, em filmes de outros diretores: Orfeu, de Cocteau, Acossado, de Godard, Landru, o Barba-Azul, de Chabrol, além do seu Deux Hommes dans Manhattan,1959, do qual foi também roteirista e assistente de fotografia.
Além dos filmes da mostra com que o Canal Telecine Classic o homenageia antecipadamente, ainda foram dirigidos por ele: Quando Leres Esta Carta (Quand Tu Liras Cette Lettre),,1953, também produtor, L´Ainé des Ferchaux,1963, Os Profissionais do Crime (Le Deuxième Souffle),1966, O Samurai (Le Samourai),1967, Expresso para Bordeaux (Un Flic),1972. Dos últimos quatro, ele foi também o roteirista.
OS CINCO FILMES DA MOSTRA
BOB, O JOGADOR (BOB LE FLAMBEUR),1955. Segunda-feira, dia 18 de novembro, 22h, com repetição no dia 19, às 9h20min
Produção: Jean-Pierre Melville. Roteiro: Melville e Auguste Le Breton. Fotografia: Henri Decaë. Montagem: Monique Bonnot. Música: Eddie Barclay e Jean Boyer. Design de Produção: Claude Bouxin. Elenco: Roger Duchesne, Isabelle Corey, Daniel Cauchy, Howard Vernon, Guy Decomble, André Garet, Gérard Buhr. Duração: 98 minutos.
Na metade da década de 1950, quando Jean-Pierre Melville prestou tributo aos filmes de gângster americanos, com o primeiro de uma série noir, não imaginava, com certeza, que ele seria, também, fonte de inspiração para seus conterrâneos, os cineastas da Nouvelle Vague.
O filme é Bob, o Jogador (Bob le Flambeur), que Melville co-roteirizou com o popular romancista de livros policiais Auguste Le Breton, o mesmo de Rififi, que Jules Dassin transformou no filme-de-assalto padrão, em 1954.
Um ator quase desconhecido, Roger Duchesne, que nunca mais teve um papel como esse, e que, segundo o próprio Melville declarou mais tarde, tinha algumas ligações reais no submundo francês, foi quem viveu o personagem-título, Bob Montagne, com muita garra e refinamento. Bob é um ex-ladrão de bancos que resolveu dar um tempo na vida de crimes. Como é um jogador compulsivo, aposta em cavalos esporadicamente e joga cartas todas as noites. Depois de um período de muito azar, recebe uma informação que o faz considerar um desafio. Como se fosse mais um jogo, seria um último grande risco para uma última grande recompensa. Assaltar o cassino de Deauville que guarda uma razoável fortuna no cofre. Como em outros filmes do gênero, Bob reúne uma equipe de velhos amigos e novos contatos para realizar o trabalho.
O tom do filme é sempre leve e despreocupado e, apesar das referências estilísticas e temáticas aos filmes americanos do gênero, permanece genuinamente francês. O próprio personagem, irmão de sangue dos durões representados por Humphrey Bogart e George Raft, não é simplesmente uma cópia deles, tem personalidade e caráter próprios.
A turma da Nouvelle Vague prestou homenagens a Melville desde seus primeiros filmes. Truffaut chamou Guy Decomble, o policial grisalho de Bob, o Jogador, para fazer um severo professor em Os Incompreendidos. E ainda inspirado nele fez seu Atire no Pianista. Influenciado também por Bob, o Jogador, Godard estreou com Acossado, escalando o próprio Melville como um ilustre visitante, e recheando os diálogos com alusões a um certo Bob Montagne.
Bob anda, como um príncipe decadente, pelas madrugadas sombrias de Paris. Chapéu displicentemente inclinado, cigarro pendente dos lábios franzidos, é como um moderno cavaleiro andante vestindo o indefectível impermeável, senhor absoluto dos lugares por onde passa. Com uma extensa ficha policial, é amigo de um inspetor (Decomble) cuja vida salvou, impulsivamente, alguns anos antes. Mas é uma amizade com limites. Afinal, ambos precisam zelar por sua reputação, não devem ser vistos freqüentemente juntos. Bob funciona como uma figura paterna para o jovem cabeça-quente Paulie (Cauchy) e como protetor da sensual Anne (Corey). Mas nada tem a ver com Marc (Buhr), um cafetão brutal e traiçoeiro. Ele conserva a dignidade, pois, mesmo nas tortuosas ruas de Montmartre, vale o ditado "dize-me com quem andas e eu te direi quem és". A princípio, tudo parece contra ele, mas Bob sempre arranja uma solução. Até chegar ao clímax espirituosamente irônico.
Uma espécie de comédia de costumes, evocação estilizada da vida do submundo parisiense de pós-Segunda Guerra, pode-se classificar Bob, o Jogador como um policial filtrado por uma sensibilidade romântica e de alto nível artístico. Melville continua influenciando gente como Beineix (em Diva), Tarantino (em Cães de Aluguel) e até John Woo, que admite ter se inspirado em O Samurai e O Círculo Vermelho.
LEON MORIN, PADRE (LEON MORIN, PRÊTRE),1961. Terça-feira, dia 19 de novembro, 22h, com repetição no dia 20, às 8h40min
Produção: Carlo Ponti e Georges de Beauregard. Roteiro: Melville, baseado em livro de Beatrice Beck. Fotografia: Henri Decaë. Montagem: Nadine Marquand, Marie Josephe Yoyotte e Jacqueline Meppiel. Música: Martial Solal e Albert Raisner. Design de Produção: Daniel Gueret. Elenco: Jean-Paul Belmondo, Emmanuelle Riva, Irene Tunc, Nicole Mirel, Gisèle Grimm, Howard Vernon. Duração: 118 minutos.
Considerado o primeiro filme da maturidade de Jean-Pierre Melville, quando ele abandona a chamada "estética de baixo orçamento" e suas experiências estilísticas, como em Bob, o Jogador, este foi também um dos primeiros filmes a examinar seriamente a vida na França sob a ocupação nazista. Melville usa o Padre Leon Morin (Belmondo) para elaborar uma crônica sobre os habitantes de uma pequena cidade francesa ocupada, desde os que lutam na Resistência, ou se transformam em colaboradores dos inimigos, ou passam a atuar no mercado negro, até os que simplesmente querem sobreviver.
Mas a história principal está centrada na tensão sexual que existe entre o padre e uma paroquiana viúva, com uma abordagem muito pouco freqüente, quase rara, em filmes de princípios dos anos 1960. Essa abordagem e a interpretação carismática de Belmondo, como o padre que questiona a autoridade e não se importa com o que os outros possam pensar, dão muita credibilidade ao filme e acentuam seus contrastes. Barny (Riva) é uma jovem viúva, sexualmente frustrada. Ela é comunista militante. Certo dia, entra numa igreja, procura um padre e começa a criticar a religião. Mas ele é um jovem simpático e inteligente que não reage como ela esperava. Perturbada, Barny começa a visitá-lo com freqüência, impressionada com sua força moral.
Também não é comum, para a época, a argumentação apaixonada contra o anti-semitismo. Antes ou depois deste filme de Melville, pouquíssimos trataram de espiritualidade e religião de forma tão convincente. Ele faz a ligação entre a deportação de judeus e Jesus Cristo, que morreu como um judeu. Portanto, como ele nos lembra, se o próprio Salvador estivesse entre nós, teria sido levado para um campo de concentração. Leon Morin encara sua tarefa na vida como o cumprimento de seus votos cristãos, ajudando os que precisam, independente de sua crença. Atrai principalmente as mulheres da cidade, como um Cristo moderno, o que resulta em algumas complexas indagações emocionais em relação às questões do coração e do espírito. Ele fica particularmente vulnerável à opinião pública, quando expõe seu relacionamento com Barny.
Leon Morin, Padre é um filme sobre crença e fé. E também sobre como conviver, mesmo nas mais difíceis circunstâncias. E, apesar do turbilhão que cerca os personagens, como a constante ameaça de deportação e a ausência de homens, exceto os das tropas ocupantes, as questões morais, teológicas e existenciais colocam todo o resto em plano secundário
TÉCNICA DE UM DELATOR (LE DOULOS), 1961. Quarta-feira, dia 20 de novembro, 22h, com repetição no dia 21, às 10h15min
Produção: Carlo Ponti e Georges de Beauregard. Roteiro: Melville, baseado no romance de Pierre Lesou. Fotografia: Nicolas Hayer. Montagem: Monique Bonnot. Música: Jacques Loussier e Paul Misraki. Design de produção: Daniel Guéret. Elenco: Jean Paul Belmondo, Serge Reggiani, Jean Desailly, René Lefèvre, Michel Piccoli (como Nuttheccio), Volker Schlondorff (não creditado, como um homem no bar). Duração: 108 minutos.
O ladrão Maurice Faugel (Reggiani) acabou de cumprir sua pena. Ele mata o receptador Gilbert Vanovre (Lefèvre) e rouba o produto de um assalto. Agora, ele se prepara para assaltar uma casa, e o amigo Silien (Belmondo) lhe traz o equipamento necessário. Mas Silien é um informante da polícia. É o próprio Jean-Pierre Melville que diz: "Este é um filme em que todos os personagens têm duas caras, todos os personagens são falsos".
Técnica de um Delator é um brilhante exercício de argumento e estilo. Mostra que quando os franceses fazem film noir, não economizam no noir. O espectador assiste não somente a um tipo de história quem-está-fazendo-o-que-contra-quem – com tudo muito bem explicado no final – mas também a uma série de reviravoltas do destino, bem francesas, levando a crer que não apenas o crime não compensa, mas a vida também não. Na verdade, o argumento perde um pouco a importância diante do estilo da direção e da fotografia, que criam uma coleção de imagens típicas do noir: lúgubres quartos de hotéis baratos, becos escuros e passagens subterrâneas.
Confusão e suposições erradas são as causas de tragédia em Técnica de um Delator. Maurice e Silien tiveram ambos um passado sombrio. Silien quer abandonar a vida que leva. Os companheiros desconfiam dele. Será realmente um informante? Finalmente, decidem que algo deve ser feito quanto a ele...
O EXÉRCITO DAS SOMBRAS (L´ARMÉE DES OMBRES), 1969. Quinta-feira, dia 21 de novembro, 22h, com repetição no dia 22, às 9h45min
Produção: Jacques Dorfmann. Roteiro: Melville, baseado no romance de Joseph Kessel. Fotografia: Pierre Lhomme e Walter Wottitz. Montagem: Françoise Bonnot. Música: Éric Demarsan. Design de produção: Théobald Meurisse. Elenco: Lino Ventura, Paul Meurisse, Jean-Pierre Cassel, Simone Signoret, Serge Reggiani, Claude Mann, Nathalie Delon (não creditada). Duração: 136 minutos.
Talvez este seja o melhor filme feito sobre a Resistência francesa durante a Segunda Guerra Mundial. Nada dos clichês de simpáticos rapazes enganando os nazistas idiotas e se apaixonando por belas mulheres. O tema de O Exército das Sombras é a realidade. Trata de homens com coragem, prontos para o sacrifício, mas também sabendo o alto preço de seu patriotismo. Mostra as escolhas cruéis, às vezes desumanas, que têm de fazer para sobreviver.
Na França, em 1942, durante a ocupação alemã. O engenheiro civil Philippe Gerbier (Ventura) é um dos chefes da Resistência. Denunciado por um traidor, é enviado para um campo. Ele consegue escapar e se reúne ao seu grupo em Marselha, onde faz o traidor ser executado. Este filme simples, nada espetacular, mostra, de forma muito austera, o cotidiano da Resistência francesa. A solidão, os medos, os relacionamentos, as prisões, as ordens e as execuções das missões... Tanto o romancista Joseph Kessel quanto Melville pertenceram a esse "exército das sombras", conheciam os procedimentos muito bem, e isso transparece no filme.
Aqui, os personagens têm alma. O espectador sente que são pessoas. Com um passado e lutando pelo futuro. A brutalidade da guerra está por toda parte. Foi criticado erradamente por ter usado os códigos dos filmes de gângster franceses no relato dos feitos heróicos e românticos da Resistência. Na realidade, seus filmes policiais é que se alimentaram dessa experiência anterior, em que prevaleciam noções de honra, sacrifício, dignidade. O que aconteceu foi que este filme veio depois. Melville alimentou o desejo de fazê-lo durante 25 anos, desde o final da guerra, como um tributo aos companheiros que perderam a vida pela liberdade da França. Tinha a idéia, também, de que seria um resumo de todo o seu trabalho e de sua colaboração com Lino Ventura. O estilo alucinatório está muito bem empregado, pois reflete a sensação dos que ficaram no underground durante muito tempo, quando qualqjuer momento poderia ser o momento da morte.
O CÍRCULO VERMELHO (LE CERCLE ROUGE), 1970. Sexta-feira, dia 22 de novembro, 22h, com repetição no dia 23, às 7h20min
Produção: Jacques e Robert Dorfmann. Roteiro: Melville. Fotografia: Henri Decae. Montagem: Marie-Sophie Dubus e Melville. Música: Éric Demarsan. Design de produção: Théobald Meurisse. Elenco: Alain Delon, Bourvil, Gian Maria Volonté, Yves Montand, François Perier, André Ekyan. Duração: 135 minutos.
Com roteiro do próprio Melville, que também contribuiu na montagem, este seu penúltimo filme é um claro exemplo da influência que ele sofreu do filme noir americano. O Círculo Vermelho é uma espécie de releitura de Segredo das Jóias, de John Huston. Apesar de ser em cores, consegue manter o tom da fotografia de luz e sombra dos clássicos do gênero. E, provavelmente, a lembrança que fica no espectador é a da sensação de preto-e-branco.
A história é sobre uma fuga da prisão, um assalto, uma traição e, principalmente, a natureza não-confiável das pessoas. Uma visão pessimista ou realista do ser humano?
Corey (Delon) é um frio ladrão de maneiras aristocráticas que vai sair da prisão no dia seguinte. Ele consegue se comunicar com o assassino Vogel (Volonté) e lhe diz que poderá ajudá-lo a escapar se ele concordar em participar de um assalto que está planejando. Vogel foge de um trem em movimento, e muitos policiais saem à sua procura, comandados pelo paciente Mattei (Bourvil), um superintendente da polícia amante de gatos. O comissário, que o pressiona a fazer todo o possível para capturar o foragido, também lhe dá lições sobre a humanidade. Para ele, todo homem é culpado (talvez até prova em contrário). Essa idéia vai crescendo na cabeça de Mattei, à medida que a investigação se aprofunda..
Corey vai a Marselha pedir dinheiro a Rico (Ekyan), seu antigo chefe. Este recusa e tenta se livrar dele. Corey, então, rouba o dinheiro, o que faz o ex-chefe mandar dois capangas atrás dele. Estes são mortos por Vogel, que acabara de se juntar a Corey. As intensas cenas de ação, em meio ao tempo mudando de chuva para neve e as barreiras policiais que têm que ser transpostas para que eles possam chegar a Paris, fazem o filme assumir um clima de desespero que é empolgante acompanhar através das imagens de uma câmera manejada por um mestre, que revela não apenas os acontecimentos mas também o interior dos personagens. Vogel sugere que um amigo seu se junte ao grupo. É um ex-policial, Jansen (Montand).
Melville é sempre muito cuidadoso com as composições das imagens. O sonho de Jansen, por exemplo, lembra pinturas de Hieronymus Bosch ou Francis Bacon. Parece filmado por Buñuel. O assalto desafia todas as teorias sobre não deixar grandes vazios, já que é um largo espaço de tempo sem diálogos (como tinha sido em Rififi), quase 30 minutos prendendo o espectador na ponta da poltrona. Cinco homens participam dele. Além de Corey, Vogel e Jansen, mais dois, dos quais um dá para trás, quando pressionado por um gângster local, Santi (Perier), cafetão, dono de um cabaré e informante de Mattei. Tudo leva a um final violento, como vai se adivinhando aos poucos.
O Círculo Vermelho é um dos últimos filmes que se pode dizer à altura do espírito de clássicos do noir americano das décadas de 1940 e 50. No aspecto da sondagem da alma humana, é até superior.