Críticas


FLORES RARAS

De: BRUNO BARRETO
Com: MIRANDA OTTO, GLÓRIA PIRES, TRACY MIDDENDORF
17.08.2013
Por Carlos Alberto Mattos
O melhor filme de Bruno Barreto desde "O Romance da Empregada"

A despeito de algumas irregularidades, a obra de Bruno Barreto se mostra hoje uma das mais sólidas, sempre no rumo de um cinema comercial de qualidade e não destituído de marcas de autoria. Flores Raras é um atestado de maturidade invejável. Considero este o seu melhor filme, juntamente com o delicioso O Romance da Empregada.

A história do affair entre a urbanista Lota Macedo Soares e a poeta Elizabeth Bishop é alguma coisa que clamava por ir às telas em época tão frutuosa para a afirmação do amor entre mulheres. No roteiro escrito por Carolina Kotscho e burilado por Matthew Chapman e Julie Sayres, o que temos de fato é a relação entre três mulheres. Um triângulo amoroso que pode ser visto também como um casamento a três, uma figura isósceles. A atração e as fissuras entre Lota e Elizabeth são pontuadas com inteligência, envolvendo poesia, álcool, ciúme e política. Quase tudo flui com sobriedade e elegância. A encantadora Miranda Otto e uma assertiva Glória Pires mostram uma química digna de grandes e corajosas atrizes, muito embora Glória me pareça às vezes um pouco afetada em sua “masculinidade”.

De alguma maneira, Flores Raras faz um contraponto a outro filme de Bruno Barreto, sua adaptação noir e ousada de O Beijo no Asfalto. Se neste trabalho de 1981 a homossexualidade vinha envolta nas sombras da interdição e na ironia moralista de Nelson Rodrigues, aqui ela surge “atualizada” por uma luz natural e uma celebração quase romântica da afirmação amorosa acima de tudo.

Não posso dizer que é um filme perfeito, como sei que a produtora Lucy Barreto gostaria de ouvir. O personagem de Carlos Lacerda não compromete, mas tampouco chega a convencer. Já se discutiu por aí o desmoronamento um tanto súbito de Lota, o que particularmente não me incomodou. De minha parte, senti uma perda de legitimidade sempre que o filme se volta para personagens mais humildes, fora do círculo de luxo das principais. É como se a câmera assumisse um olhar de elite, o que só se justificaria se as cenas fossem construídas do ponto de vista da elite, o que não é o caso. O que mais se insinua é um desnível não intencional na maneira de representar, ainda que circunstancialmente, uma classe alheia à central do filme.

Esses reparos, contudo, são de importância muito pequena diante da felicidade com que o filme retrata aquele momento de antecipação na história do Rio e na emancipação gay. Flores Raras é um triunfo técnico de ponta a ponta - da fotografia de Mauro Pinheiro Jr. à abundante (mas não invasiva) música de Marcelo Zarvos. Bruno constrói alguns dos planos mais bonitos de sua carreira. E comove na forma como revela que os postes de luz do Parque do Flamengo foram inspirados na lua de Ouro Preto.

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