Dotado de vigor teórico, Pinceladas De Fogo “utiliza” a trajetória conturbada de Ohwon Jang Seung-up, célebre pintor coreano do século XIX, para colocar o espectador diante de diversas questões relativas ao processo artístico. Inicialmente, Jang imprime a sua autoria sobre reproduções fazendo com que as suas obras, mesmo que criadas a partir de uma matriz, adquiram vida própria.
A vitalidade nasce da conexão com uma colocação pessoal e o filme de Im Kwon-Taek “se torna” cinematográfico ao dividir com o público o contato de Jang com uma importante fonte criadora: a natureza. A câmera capta a manifestação da natureza, funcionando como uma espécie de instrumento na ressensibilização do olhar do espectador, que, assim como Jang, filtra na sua subjetividade tudo aquilo que vê.
Exigente no que diz respeito ao engajamento íntimo, a arte nasce muitas vezes da desestabilização, da vulnerabilidade de quem a exerce e Pinceladas de Fogo privilegia as sucessivas crises atravessadas por Jang. No entanto, o cineasta imprime uma certa tonalidade de humor pitoresco que superficializa a danação do pintor apostando, em parte, na vertente limitada do talento divino que contradiz a idéia da criação movida pela sensibilidade diante do humano. Estendidos por sucessivas cenas, os destemperos de Jang acabam tirando o foco de uma rara possibilidade de dissecação do trabalho artístico.
Seria injusto dizer que o diretor não investe neste esmiuçamento, mas o faz buscando filiação numa abordagem didática calcada na descrição das pinturas e destacando a passagem do tempo – sem que esta esteja sempre interligada às necessidades de transformação sofridas por Jan no correr dos anos. Ao contrário da provocação teórica (também bastante presente no filme), que não fornece pistas prontas ao espectador destinando-lhe uma função ativa, o didatismo talvez acabe afastando o público da decifração das pinturas e de discussões contemporâneas como a absoluta distância entre arte e lógica econômica. Restrições à parte, Pinceladas de Fogo rendeu o prêmio de melhor direção no Festival de Cannes de 2002 a Im Kwon-Taek (título dividido com Paul Thomas Anderson, por Embriagado de Amor), colocando em evidência o nome deste cineasta realizador de quase 100(!) produções, entre elas Chunhyang – Amor Proibido, exibida comercialmente em circuito carioca.
# PINCELADAS DE FOGO (Chihwaseon)
Coréia do Sul, 2002
Direção: IM KWON-TAEK
Roteiro: IM KWON-TAEK, KIM YONG-OK, MIN BYUNG-SAM
Elenco: CHOI MIN-SIK, AHN SUNG-KEE, YU HOJEONG
Duração: 117 minutos