Durante uma visita aos filhos e netos em Londres, a sexagenária May fica viúva, mas se nega a cumprir o roteiro previamente estabelecido para essas situações - a solidão e a espera da morte. Esta recusa inesperada altera toda a dinâmica da família, não tanto porque sua presença represente um peso, mas pela sua vocação inesperada para a transgressão. Por exemplo, ao invés de ajudar a filha Paula a resolver sua situação com o amante casado, Darren, May complica ainda mais as cosias envolvendo-se com ele, que por sua vez revela um crescente desajustamento social.
Com uma narrativa sóbria e cheia de subtons, A Mãe é um filme incômodo e inusitado, ainda mais se levarmos em conta o currículo de Roger Mitchell, acostumado a dirigir estrelas como Julia Roberts e Hugh Grant em filmes de grande orçamento, como Um Lugar Chamado Notting Hill. A surpresa diminui quando se sabe que quem assina o roteiro é o escritor Hanif Kureishi, que já colaborou em pequenas obras-primas de Stephen Frears e outros cineastas ingleses. Mitchell e Kureishi, aliás, tinham trabalhado juntos na série da televsão inglesa O Buda do Subúrbio.
O principal mérito do filme é conciliar dois temas que raramente andam juntos, a paixão amorosa e o drama da terceira idade. Evitando os clichês na forma de retratar a idosa May - interpretada de forma esplêndida e corajosa por Anne Reid, sobretudo nas cenas de sexo - Mitchell não faz concessões: longe do estereótipo da velha boazinha, que se torna o ponto de equilíbrio de uma família em crise, é ela quem introduz a desordem num núcleo até então equilibrado. É claro que, no fim das contas, o próprio sentido da instituição familiar e dos valores que ela encarna é posto em questão. É notável, por exemplo, a maneira como a distinção de classe social afeta a relação entre os filhos de May. Igualmente interessante é a ausência de qualquer laço afetivo das crianças, totalmente inseridas numa lógica de consumo, com sua avó. Negando-se a envelhecer, buscando uma paixão jovem e inviável em termos práticos, talvez a própria May seja uma vítima dessa sociedade em que as pessoas só valem enquanto apresentam algum valor de troca.
# A MÃE (The Mother)
INGLATERRA, 2003
Direção: ROGER MITCHELL
Roteiro: HANIF KUREISHI
Elenco: ANNE REID, DANIEL CRAIG, STEVEN MACKINTOSH.
Duração: 112 min.