Críticas


SALOMÉ

De: CARLOS SAURA
Com: AÍDA GOMEZ, PERE ARQUILLUÉ, PACO MOTA
14.10.2003
Por Luciano Trigo
FRACASSO QUE AGRADA AOS OLHOS

Quem teve a idéia de transformar em dança a história milenar de Salomé e João Batista foi a coreógrafa Aída Gomez, quando deixou a direção do Balé Nacional da Espanha. Ela encomendou ao compositor Roque Banõs uma trilha que combinasse os elementos habituais do flamenco com ingredientes da música árabe e de peças religiosas, para sublinhar a sensualidade dos movimentos dos bailarinos. Salomé, o filme, não faz mais que transpor para a tela, sem muita ousadia, o processo de gestação do espetáculo, através dos depoimentos de seus paticipantes e concluindo, e seu resultado final, através de um ensaio geral.



Carlos Saura não corre riscos, preferindo pisar em terreno bem conhecido. O resultado é um filme plasticamente bonito - especialmente, é claro, para os aficionados do flamenco - mas em nenhum momento comovente. Isso porque o diretor espanhol parece mais interessado nos movimentos da câmera que nos movimentos dos corpos dos bailarinos, optando muitas vezes por uma edição de imagens que mostra fragmentos de corpos no lugar do todo, comprometendo o sentido da dança. Quanto aos depoimentos, reais e fictícios, o fato é que pouco acrescentam em matéria de idéias ao que já se disse de mais óbvio sobre o mito de Salomé, ainda que sejam feitos com ares de grande profundidade.



Curiosamente, um dos conceitos do espetáculo - bailarinos dançando diante de espelhos, ou em frente a telas que duplicam a sua imagem – acaba sendo uma metáfora bastante apropriada para Salomé, tanto por sua redundância interna - a encenação dentro da encenação, com um falso diretor pouco convincente orientando sua equipe - quanto pela falta de novidades em relação a outros filmes de Saura, como Bodas de Sangue, Carmen e Tango. Do ponto de vista da linguagem, a passagem do vídeo de alta definição para a película em 35 milímetros, que marca a transição dos ensaios para a apresentação completa do balé parece uma idéia óbvia e bastante pobre, como se fosse necessário enfatizar a diferença entre o rascunho e a obra acabada.



Por fim, correndo o risco de transformar uma crítica de cinema numa crítica de dança, falta eficiência ao espetáculo em si. A história de Salomé, desnecessário lembrar, já ensejou a criação de obras-primas em diversas formas de expressão artística, na ópera, no teatro e na música. A coreografia minimalista de Aída Gomez, pelo menos tal como é filmada por Saura, esvazia o enredo de seu caráter trágico, desfigurando o mito da jovem que pede a cabeça de João Batista após dançar para o rei Herodes. O registro do processo criativo e o making of do balé - que acaba sendo o making of do próprio filme - se sobrepõem à tragédia em si, dispersando sua magia. Isso ocorre em parte porque a dança é, em sua essência, um acontecimento único, irrepetível. Transformar um espetáculo coreográfico num filme é muito mais complexo que registrar com dezenas de câmeras o que os bailarinos fazem em cena. Nesse sentido, se comparado a filmes similares, como A Flauta Mágica, de Ingmar Bergman, Salomé pode ser considerado um fracasso, mesmo que seja um fracasso que agrada aos olhos.



# SALOMÉ (Salomé)

ESPANHA, 2002

Direção e roteiro: CARLOS SAURA

Elenco: AÍDA GOMEZ, PERE ARQUILLUÉ, PACO MOTA

Duração: 86 min



publicado originalmente em 26.09.2003

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