Críticas


FESTIVAL DO RIO 2003: TÃO DE REPENTE

De: DIEGO LERMAN
Com: CARLA CRESPO, VERÓNICA HASSAN, TATIANA SAPHIR
29.09.2003
Por Marcelo Moutinho
A POÉTICA EM PRETO E BRANCO DE IMPROVÁVEIS AMORES

Com estética marcadamente sessentista - fotografia contrastada em preto e branco, câmera na mão - e muito frescor criativo, a estréia do argentino Diego Lerman na direção de longa-metragens é promissora. Tão de Repente, premiado nos festivais de Locarno e de Havana e baseado em curta do próprio diretor, promove interessante investida sobre a solidão contemporânea e seus agentes. Marcia (Tatiana Saphir) é a gorda atendente de uma loja de lingerie que toca seus dias entre o tédio do trabalho cotidiano e as refeições em frente à TV. Um dia, “tão de repente”, ela encontra Mao (Carla Crespo) e Lenin (Veronica Hassan), duas meninas, digamos, alternativas (não são exatamente punks, como afirma a sinopse), que a levarão, num carro roubado, para viajar.



Rumo? Não há. E nem se trata de seqüestro. Embora inicialmente negue, Marcia acaba se deixando levar. Para quem se acostumara a ver o mundo recortado pela porta da loja de lingerie – o que é registrado com competência pela câmara subjetiva de Lerman -, qualquer destino parece mais promissor. À medida que as três penetram estrada afora, os angustiantes planos fechados que caracterizam a imagem da cidade se abrem. Paralelamente, ampliam-se também os laços entre elas.



A verdadeira viagem iniciática desemboca em Rosario, onde mora Blanca (Beatriz Thibaudin), a tia que Lenin não vê há muitos anos. É na casa decadente de Blanca, onde já residem, alugando quartos, a pintora Delia (Maria Merlino) e o biólogo Felipe (Marcos Ferrante), que elas se hospedarão. Superadas algumas divergências iniciais e à custa de seguidos conflitos, aos poucos dentro daquela estranha comunidade de corações solitários nasce uma improvável sintonia; na busca por completude, os diferentes se igualam. E Lerman filma essa delicada alquimia sem pressa, captando “climas” que sorrateiramente se interpõem aos diálogos.



Há, evidentemente, desníveis naturais de um estreante, como inconsistência em algumas situações. A primeira abordagem das meninas a Marcia, por exemplo. É indisfarçável, contudo, o carinho que o diretor dispensa a seus personagens, fato raríssimo numa época em que o cinema anda tão cínico e cheio de sarcasmo. Tal tratamento se realça principalmente na delicada seqüência que precede a partida de tia Blanca - e nas cenas que mostram, liricamente, a passagem das faixas brancas da estrada ao som de um lancinante tango. Assim, ao fazer poesia com a imagem, o diretor consegue ilustrar a frase-síntese pronunciada por Mao em determinado momento: “O amor não tem explicação, só provas”.



#TÃO DE REPENTE (Tan de Repente)

ARGENTINA, 2002

Direção: DIEGO LERMAN

Roteiro: DIEGO LERMAN/MARIA MEIRA

Elenco: CARLA CRESPO, VERÓNICA HASSAN, TATIANA SAPHIR, MARCOS FERRANTE, MARÍA MERLINO, BEATRIZ THIBAUDIN

Duração: 90 min.

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