Críticas


ALABAMA MONROE

De: FELIX VAN GROENINGEN
Com: JOHAN HELDENBERGH, VEERLE BAETENS, NELL CATTRYSSE
24.01.2014
Por João de Oliveira
Uma reflexão pungente, metafísica e sensível sobre o amor

O filme belga Alabama Monroe (The broken circle breakdown), do diretor Felix Van Groeningen, narra a história de amor entre Didier (o líder de um grupo de bluegrass, um tipo de música country, apaixonado pelos Estados Unidos e cujo visual faz pensar em Kris Kristofferson ou ainda Barry Gibb dos Bee Gees) e Elise (uma super tatuada proprietária de uma loja de tatuagens, mulher jovem, alegre, franca, independente, moderna e cheia de vida que termina entrando para o grupo como cantora) e o inferno no qual se transforma a vida deles após a descoberta que a filha Maybelle (uma homenagem à cantora country Maybelle Carter) é portadora de uma doença grave.

Adaptação de uma peça de teatro de Johan Heldenbergh (o intérprete de Didier, que já trabalhara no ótimo filme anterior do diretor chamado La merditude des choses) e Mieke Dobbels, o filme pode ser dividido em três partes diferentes. A primeira narra a vida amorosa do casal, da primeira noite à descoberta da gravidez involuntária, passando pelos preparativos para a chegada da criança e a felicidade da vida em família com o nascimento da menina que vira imediatamente o xodó de todo mundo, transformando e iluminando o universo em torno do pequeno grupo. Sobretudo de Didier, um homem solitário e um pouco rústico que vivia como um cowboy em um motor home no meio rural, afastado da vida na cidade. Inicialmente reticente perante a iminência de uma paternidade não planejada, ele transforma-se rapidamente em um pai atencioso e em um marido dedicado.

A segunda parte representa a descoberta da doença de Maybelle (uma leucemia) aos sete anos de idade e a luta dos médicos e da família para salvá-la. As imagens são fortes, duras, violentas e realistas.

A terceira parte é sobre a crise do casal. Do amor contagiante da primeira parte, os dois mergulham em uma espiral agressiva e autodestrutiva na busca de um culpado inexistente que talvez lhes permitisse escoar, em uma espécie de válvula de escape, suas dores respectivas, tornando possível um princípio de explicação para algo inexplicável.

Como a narrativa não é linear, essas três partes são entremeadas e representadas fora de qualquer ordem, com idas e vindas no tempo, misturando e alternando as diferentes tonalidades emocionais do filme e evitando o pathos sem cair em um maneirismo gratuito e insignificante. O filme começa no presente, com o anúncio da doença da filha, e volta sete anos antes. Nas cenas que representam os momentos anteriores à crise do casal, a diferença entre o presente e o passado é representada pela tonalidade da fotografia e pelo tipo de enquadramento. No passado predominam as cores quentes, particularmente o amarelo que incarna o romantismo e a paixão avassaladora do casal. Há muitas sequências externas, em meio à natureza, com muita profundidade de campo de maneira a acentuar a sensação de liberdade e de infinitude. O presente é marcado pelas cores frias do hospital e os planos são mais fechados, sem profundidade, simbolizando a clausura e a falta de perspectiva dos personagens, enredados no drama familiar.

Durante a crise, enquanto Didier, um ateu e evolucionista convicto de que a existência se encerra com a morte, mergulha em um radicalismo antirreligioso de caráter esquizotímico e encontra um culpado ideal para suas dores no conservadorismo dos criacionistas americanos e no veto de George Bush ao financiamento das pesquisas sobre as células-tronco por motivos religiosos, Elise finge encontrar conforto na fé e na possibilidade de vida pós-morte. Pensando ser possível mudar de vida e apagar o passado como ela apaga os nomes de seus ex-namorados tatuados em seu corpo, ela troca de nome e passa a se chamar Alabama. As diferenças eclodem e as duas visões de mundo, que antes da doença da filha soavam como complementaridade, transformam-se em um antagonismo inconciliável. Nesta parte, a instância narrativa reduz consideravelmente os indicadores de tempo e mistura presente, passado e até mesmo o futuro de maneira a melhor simbolizar a desorientação do casal e o pessimismo quase fatalista do filme, que é pontuado e ritmado por diversos números musicais inteligentemente incorporados à narrativa. Dessa forma, as músicas, que abordam temas diretamente ligados à intriga do filme e variam segundo o humor dos personagens, acabam funcionando como uma espécie de coro grego que comenta e analisa a ação ou o estado de espírito dos personagens.

A atuação dos três atores que constituem o núcleo familiar (a atriz e cantora Veerle Baetens, uma espécie de Naomi Watts belga, o ator e dramaturgo Johan Heldenbergh e a jovem atriz Nell Catrysse, transbordante de talento, particularmente na curta cena da morte de um pássaro, na qual ela dá simplesmente um show) é excepcional e extremamente convincente.

Melodrama que alterna com maestria momentos de alegria e de tristeza com algumas pitadas de humor sem jamais cair no dramalhão, Alabama Monroe é uma reflexão pungente, metafísica e de grande sensibilidade sobre o amor, o sentimento de perda e o peso da religiosidade (ou de sua ausência) na vida das pessoas. Um filme forte sobre as dificuldades de aceitação do inexplicável e do fato de que "a vida nem sempre nos é generosa".

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