Críticas


ADEUS, LENIN

De: WOLFGANG BECKER
Com: DANIEL BRÜHLL, KATRIN SASS, MARIA SIMON
26.12.2003
Por João Mattos
A MENTIRA É BELA

Imenso sucesso em sua terra natal, o filme alemão Adeus, Lenin, também cumpre carreira de sucesso no circuito internacional de festivais deste ano, ao tratar de um dos maiores e mais importantes acontecimentos da história mundial recente, a queda do Muro de Berlim e a conseqüente reunificação das duas Alemanhas. O sucesso é merecido pela maneira como se fala do assunto, mais do que por ser esta uma grande e perfeita obra. Com tema tão explosivo e polêmico, capaz de desagradar a tantos e mexer com feridas ainda abertas na vida atual do povo alemão, foi feito um drama agridoce (o que se reflete até na cartela de cores e iluminação dos planos), com toques de humor amargo, porém nunca cínico, e que busca um tom conciliatório.



A trama básica é tão bem bolada quanto fantasiosa: em 1989, pouco antes da queda do muro, uma mulher passa mal na rua, entra em coma e fica desacordada durante as gigantescas mudanças pelas quais passa a sociedade alemã. Quando ela desperta, em meados de 1990, sua cidade, Berlim Oriental, e o regime político em que ela viveu, simplesmente acabaram tais como ela os conheceu a vida inteira, só que ela não sabe de nada disso. Seu filho, temendo que a excitação causada pelas mudanças possa prejudicar a saúde da mãe, decide esconder-lhe os acontecimentos. Para isso cria toda uma farsa destinada a fazer com que a mãe continue a acreditar que mora numa Berlim Oriental e sob um governo comunista, uma mega-ilusão que ele precisa sustentar mentindo continuamente.



De início, deve ser louvada a maneira como a dramaturgia da obra consegue, para o bem da credibilidade do filme (logo, de suas intenções humanitárias), e com os exageros naturais e desculpáveis de uma obra de ficção cinematográficas (nada muito irritante), convencer a platéia da funcionabilidade da trama. Isto acontece pela maneira correta como os artifícios usados para que a farsa prossiga (vide a busca pelos produtos antigos, os vídeos pseudo telejornalísticos) são inseridos dentro da história .



Essa trama possibilita também que se arranhe o tema da verdade e o peso dela nas relações humanas, mas sobretudo traz como sugestão dramática maior, geral, articulada com a busca pela conciliação, uma idéia tão polêmica quanto perturbadora: que a mentira empregada de forma totalizante, como motor principal de uma existência, possa ter valor de demonstração de piedade e amor profundo.



Politicamente o filme também procura fazer uma passagem da constatação da falência e condenação do comunismo (de forma discreta) a um pedido pela preponderância de um capitalismo mais humanizado (em momento que fecha toda as idéias da obra), e que fuja ao consumismo desenfreado. Como essa transição ocorre de maneira suave, e em nenhum dos dois momentos é dada uma ênfase panfletária na transmissão dessas idéias, o todo ganha em eficiência. Isto não significa que Adeus, Lenin fique (apelando para trocadilho tão fácil quanto irresistível) em cima do muro, apenas aponte para um mundo novo com toda a sua complexidade, sem nostalgias burras e necrofilizantes, tampouco deslumbramento bobo.



Se tem em suas diversas variáveis de estruturação e significado um belo equilíbrio, Adeus, Lenin não chega a ser excepcional em nenhum desses aspectos (isso não deve ser creditado ao equilíbrio em si, que poderia ser visto por alguns como camisa-de-força), pois de certa forma a realização final parece sofrer com o acúmulo e repetição de temas e subtextos, e ainda cansando um pouco em sua narração – nem mesmo a alternância de instantes de alívio cômico, como a primeira aparição da logomarca de famoso refrigerante, com outros mais dramáticos, consegue impedir isso. O que se sobressai mesmo é a excelente interpretação de Katrin Sass como a mãe (poucas falas e olhar intenso), sobretudo na cena-chave do filme, a do encontro casual na rua, na qual ela dimensiona a complexidade da personagem através de um expressão estupefaciente marcante e absolutamente sutil, que exibe uma desolação de quem não pode entender mudanças que não têm volta.



# ADEUS, LENIN (Goodbye, Lenin)

Alemanha, 2003

Direção: WOLFGANG BECKER

Roteiro: WOLFGANG BECKER, BERND LICHTENBERG .

Elenco: DANIEL BRÜHLL, KATRIN SASS, MARIA SIMON, CHULPAN KHAMATOVA, FLORIAN LUKAS.

Duração: 121 minutos

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