Críticas


THE LUNCHBOX

De: RITESH BATRA
Com: IRRFAN KHAN, NIMRAT KAUR, NAWAZUDDIN SIDDIQUI
21.03.2014
Por João de Oliveira
Proporciona uma bela reflexão social sobre a Índia contemporânea

Ila é uma jovem, bela e dedicada esposa que tenta, com a ajuda de uma vizinha a quem ela chama de tia (e de quem só ouvimos a voz), atrair a atenção de seu indiferente marido preparando-lhe um delicioso almoço. Por um erro do serviço de entrega das marmitas, suas iguarias são entregues a um outro homem, Saajan, um contador viúvo, solitário e silencioso, a algumas semanas da aposentadoria. Esse é o enredo simples de The Lunchbox, uma simpática comédia romântica.

Ila descobre o erro mas decide, diante da frieza do marido, continuar enviando a comida para o endereço errado a fim de estabelecer um diálogo com seu interlocutor virtual e ocupar o seu vazio existencial. Desta forma, os bilhetes enviados para um desconhecido funcionam como uma mensagem em uma garrafa atirada ao mar, como um pedido de ajuda. Os dois começam então uma troca de bilhetes e de pequenas cartas. Inicialmente o tema é a culinária indiana, mas aos poucos eles vão perdendo a timidez e aumentando a quantidade de palavras e informações trocadas. As missivas vão aos poucos ganhando ares de confidências e revelando dados de suas histórias pessoais, de suas personalidades, de suas carências afetivas e de seus sonhos.

As cartas possuem um efeito terápico para ambos. Ao mesmo tempo em que os dois personagens vão se revelando um ao outro, eles vão se liberando de certas angústias que permitem uma síntese da realidade imediata e conduzem ao autoconhecimento e a uma tomada de consciência da realidade adjacente. Aos poucos o misantropo contador, cujo melancólico prazer é observar uma família vizinha jantar durante o tempo em que ele fuma um cigarro, vai abrindo-se aos outros, enquanto a jovem esposa vai dando um sentido a seu abandono e vislumbrando alternativas diferentes para escapar do marasmo afetivo e existencial no qual vive.

Entre as idas e vindas da marmita pelas ruas da superpopulosa cidade de Bombaim, o filme descortina uma Índia emergente com milhares de pessoas caminhando pelas ruas e superlotando os transportes públicos, que mais que uma necessidade constituem uma opção diante dos imensos e cotidianos engarrafamentos. Em razão das longas horas passadas nos transportes públicos, algumas pessoas, no retorno para casa, começam a preparar o jantar ainda no trem, buscando ganhar um pouco de tempo. Um progresso que o filme critica e que não parece seduzir a todo mundo na medida em que alguns personagens preferem se refugiar no passado, na audição de discos de antigos sucessos de Bollywood ou buscar refúgio em outro país. Todavia, em um país em que as mulheres são constante e coletivamente estupradas ou agredidas, a insatisfação e os desejos de mudança da jovem esposa revelam inconformismo e uma certa dose de insubmissão que pressagiam uma certa aura de modernização positiva da tradicional sociedade indiana.

Um dos grandes méritos do filme consiste na bem utilizada técnica do romance epistolar. Um diálogo já utilizado com bastante sucesso pelos filmes Nunca te vi, sempre te amei (David Hughes Jones, 1987), Ligações perigosas (Stephen Frears, 1988) e Mary e Max - Uma amizade diferente (Adam Elliot, 2009). The Lunchbox guarda algumas semelhanças com o primeiro e com o último filme citados. Do primeiro ele herdou a troca de informações sobre um tema específico. As discussões literárias entre os personagens de Anthony Hopkins e Anne Bancroft e o envio de obras raras da literatura inglesa do primeiro para a segunda são substituídas pelo debate culinário e pelas confidências pessoais. De Mary e Max - Uma amizade diferente - que, apesar de se tratar de adaptação de uma história real, mantém algumas semelhanças com Nunca te vi, sempre te amei - The Lunchbox recuperou a solitude, a misantropia, a carência afetiva e a diferença de idade entre os personagens, além do fato de que o contato entre os dois é fruto do acaso.

Como nos romances epistolares, narrados invariavelmente na primeira pessoa, o contexto histórico passa pela expressão das subjetividades dos narradores. E é essa expressão, suporte e motor da ação, que permite a progressão da narrativa e do enredo muito simples do filme. Todavia, ao contrário da maioria dos romances epistolares (e dos filmes que imitam o gênero), as cartas permanecem um segredo entre os personagens, uma espécie de confidência que narra ou comenta fatos pessoais e que constitui uma espécie de subgênero do romance epistolar. Desta forma, Ila recusa-se a comentar as cartas com a suposta tia e Saajan, constrangido, recusa-se a lê-las na frente de seu colega de trabalho.

The Lunchbox narra o encontro de dois personagens de gerações diferentes que vivem o mesmo drama da solitude em uma das cidades mais populosas do mundo. Razão pela qual, assim como o personagem do ET para o jovem Elliot, Saajan pode ser percebido como um modelo de amigo imaginário de Ila e vice-versa. Aquele indefectível recurso ao qual recorrem constantemente as crianças (e adultos) solitárias e imaginativas. Realizado por Ritesh Batra, o filme, que participou da Semana da Crítica do último Festival de Cannes, é uma espécie de "feel good movie" que proporciona uma bela reflexão social sobre a Índia contemporânea que vale a pena descobrir.

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