Branca de Neve parece ser a negação do elemento primordial do cinema: a imagem. No entanto, ao apresentar durante quase todo o tempo uma tela escura tomada tão-somente pela narração do texto do escritor suíço Robert Walser (e os atores devem ter sido instruídos de modo a não buscar maiores efeitos na modulação das vozes), João César Monteiro não assina um filme destituído de imagens. Diferente disto, ele apresenta a imagem da não-imagem. Cabe ao espectador preencher o espaço com as imagens da própria imaginação. Pode fazer isto trilhando caminhos um pouco diversos, seja assistindo e se confrontando com a imagem da ausência que toma a tela grande, seja fechando os olhos e ouvindo o texto diante de sua tela escura particular. Nesse sentido, Branca de Neve presta uma homenagem às imagens, tanto ao colocar o espectador diante da sua subjetividade quanto ao retirar o aspecto cristalizador do cinema.
Através da tela escura (e mesmo as imagens ocasionalmente inseridas integram a abstração do filme), o cineasta inviabiliza qualquer possibilidade de projeção narcísica. Não há espelho nesta Branca de Neve – a não ser o espelho direcionado para o interior de cada espectador. Não por acaso, João César Monteiro “filma” o trajeto do sonho para a realidade, da ilusão (“Lá entre os anões, vivia em tranqüila alegria”) para a tomada de consciência (“A mãe não é mãe, o mundo não é mundo, o príncipe é um caçador, a vida é morte”) num processo que leva à percepção da coerente coexistência de extremos (“Diz a ela o quanto a odeio e o quanto a amo” / “Odiai-me para que possa vos amar mais infantilmente”).
# BRANCA DE NEVE
Portugal, 2000
Direção e roteiro: JOÃO CÉSAR MONTEIRO
Elenco: Vozes de MARIA DO CARMO, ANA BRANDÃO, REGINALDO DA CRUZ, DIOGO DORIA, LUÍS MIGUEL CINTRA
Duração: 75 minutos