Críticas


SEGUNDA-FEIRA AO SOL

De: FERNANDO LEÓN DE ARANOA
Com: JAVIER BARDEM, LUIS TOSAR, JOSE ÁNGEL EGIDO, NIEVE DE MEDINA
07.11.2003
Por Ricardo Cota
OS BONS COMPANHEIROS

Um fantasma assombra o mundo globalizado - o desemprego. Há quem diga que hoje existem apenas dois caminhos para a humanidade: ou trabalhar além da conta (atropelando conquistas, como a diminuição das jornadas de trabalho) ou agonizar nas filas de emprego. É essa mais ou menos a tese do elucidativo Segunda-Feira ao Sol, de Fernando León de Aranoa, merecedor do prêmio da Federação Internacional de Críticos de Cinema, a FIPRESCI, no Festival de San Sebastián, e Kikito de Melhor Filme Latino em Gramado/2003.



É bem verdade que os anti-heróis de Aranoa vivem num limbo que tangencia o universo do aclamado Ou Tudo ou Nada (The Full Monty) , de Peter Cattaneo. O humor fácil do inglês, no entanto, levado ao sublime ridículo nos palcos da Broadway, não encontra ressonâncias na obra do espanhol. Segunda-Feira ao Sol é um exercício de humor negro. Não rimos da desgraça alheia e ponto final. Rimos da desgraça alheia e reticências. Há uma melancolia que perpassa a trama e garante ao cineasta personalidade própria, distante tanto do apelo óbvio de Cattaneo quanto do engajamento explícito de Ken Loach (a quem León tem sido equivocadamente comparado). Em comum, somente as mazelas de um novo mundo nada admirável.



As maiores influências de León remontam a um passado político-cinematográfico curiosamente ainda bafejado pela esperança socialista. Segunda-Feira ao Sol pode ser visto como uma espécie de Os Companheiros pós-muro. Uma revisão amarga do clássico do italiano Mario Monicelli em que a esperança não reside mais na linha de ação dos discursos políticos. A solidão embriagada dos apocalípticos cavaleiros espanhóis vira as costas para o código de ética da conduta revolucionária para se agarrar ao último reduto do humanismo: a velha e boa camaradagem. O resto é descrença.



Javier Bardem vive Santa, eixo da trama de Segunda-Feira ao Sol. Ele é o mais irreverente e politizado dos amigos que dividem o balcão de um boteco em Vigo. Todos tiveram suas vidas transformadas com o fechamento do comércio portuário local e as conseqüentes demissões. Há os que ainda mantêm a esperança de obter um novo emprego, como Lino (Jose Angel Egido), vítima de uma crise existencial que o leva a um patético processo de rejuvenescimento. Outros conformaram-se à nova realidade enterrando seus sonhos em projetos menores, como a compra de um bar, caso de Rico (Joaquin Climent), e a aceitação de um subemprego, caso de Reina (Enrique Villen).



O velho abandonado Amador (Celso Bugallo) e o amargurado Jose (Luis Tosar) entregaram-se ao álcool, à desilusão e ao imobilismo. Não são acomodados, não são derrotados, são pessoas que vivem, como diz um ditado espanhol, “a la buena de Dios”. Cansados de ser explorados, deixaram o mundo de lado e destilam amargor pelos bares e lares que habitam.



Santa é uma espécie de diapasão da turma. Liderança da categoria quando empregado, ele ainda desempenha o papel catalisador das revoltas, frustrações e sobretudo alegrias do grupo. Seu personagem está em linha direta com o do Professor Sinigaglia, vivido por Marcello Mastroianni em Os Companheiros. Santa é o que sobrou do intelectual orgânico gramsciano: sem partido, sem doutrina, sem família, sem moral, mas ainda com uma profunda e honesta capacidade agregativa. Com Santa a classe operária também chega ao paraíso. Um paraíso diferente, é verdade, em que os palanques embalados por multidões cantando a “Internacional” são substituídos por um palquinho de karaokê ao som de “Volare”.



Apesar dos indicativos, Segunda-Feira ao Sol não é um filme pessimista. Sob os escombros dos fenômenos globais, que levam os investidores a trocar de país como quem troca de camisa na busca de mão-de-obra barata e lucros altos, surge uma nova organicidade, ainda iminente numa terra de machos – a organicidade das mulheres, cujo individualismo se constitui numa forma de reação. Os personagens mais íntegros de Fernando León de Aranoa são justamente a trabalhadora Ana (Nieve de Medina), casada com o frustrado Jose, e a jovem Ângela (Laura Dominguez), filha do dono do melancólico bar espanhol. Ana não cedeu ao apocalipse. É integrada e com as armas que lhe restam sobrevive lutando contra a falta de coragem de mandar o casamento às favas e o desejo latente por outros homens. Ângela, por sua vez, aos quinze anos não esconde os impulsos sexuais por Santa. Ambas, a seu modo, são vítimas de uma certa fome. Ambas, a sua maneira, continuam de pé.



#SEGUNDA-FEIRA AO SOL (LOS LUNES AL SOL)

ESPANHA, FRANÇA ITÁLIA,2002

Direção:FERNANDO LEÓN DE ARANOA

Roteiro:IGNÁCIO DEL MORAL E FERNANDO LEON DE ARANOA

Produção:ANDRÉA OCCHIPINTI, ELIAS QUEREJETA, JAUME ROURES, JÉRÔME VIDAL

Fotografia:ALFREDO F. MAYO

Montagem:NACHO RUIZ CAPILLAS

Música:LUCIO GODOY

Elenco:JAVIER BARDEM, LUIS TOSAR, JOSE ÁNGEL EGIDO, NIEVE DE MEDINA, ENRIQUE VILLEN, CELSO BUGALLO, AINDA FOLCH E LAURA DOMINGUES, SERGE RIABOUKINE

Duração:113 min.

Site:www.loslunesals.com

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