Críticas


X-MEN: DIAS DE UM FUTURO ESQUECIDO

De: BRYAN SINGER
Com: HUGH JACKMAN, JAMES MCAVOY, MICHAEL FASSBENDER, JENNIFER LAWRENCE
22.05.2014
Por Gabriel Papaléo
Limitado, mas divertido passatempo para os fãs.

Em franquias longevas, é difícil manter o padrão de qualidade. Só nos filmes de super-herói, sagas como Homem-Aranha e Batman oscilaram filme a filme. Nos filmes dos X-Men, os roteiristas já encontravam dificuldade em conciliar as informações múltiplas sobre o setting daquele universo com os dilemas de cada personagem (principalmente no terceiro, o elo fraco da trilogia inicial). Quando X-Men: Primeira Classe chegou às telas, uma nova linha temporal foi adicionada e, inevitavelmente, complicou mais a mitologia – o que, felizmente, não afetou em nada a qualidade da cinessérie. E X-Men: Dias de um Futuro Esquecido se revela uma oportunidade de novo futuro, munido de trama que utiliza o pertinente recurso da viagem no tempo para reorganizar o universo mutante nos cinemas – comandado ainda pelo principal porta-voz dos personagens no cinema, o diretor Bryan Singer.

A volta do cineasta aos mutantes, depois dos ótimos dois primeiros X-Men, é visível no apreço pelos personagens; a sempre vitoriosa interação entre eles é o ponto forte da franquia – e Singer sabe disso. No entanto, diferentemente do excepcional Primeira Classe – ainda o melhor da saga –, Dias de um Futuro Esquecido foca primariamente na estrutura enérgica de aventura que seja realçada pelo carisma dos personagens e seus desafios, mas sem necessariamente intrigar nos conflitos éticos ou emocionais que os atravessam.

Esse apelo emocional procurado pelo diretor é construído desde a primeira cena. O apocalipse mutante emula O Exterminador do Futuro em paleta de cores e direção de arte (até as caveiras são iguais) para causar no imaginário do fã uma visão desesperançosa do futuro – o que não só funciona visualmente como já introduz a ideia de viagem no tempo para o espectador. Após tal ambientação, o diretor é solene ao revelar os envelhecidos Xavier e Magneto - e mesmo as tímidas mechas brancas de Wolverine são sentidas. Em meio à expectativa gradual, perdoa-se a longa exposição inicial sobre o continuum. Ao evocar com eficácia esse senso de nostalgia com personagens construídos ao longo de 14 anos, Singer já evidencia a passagem de bastão que vai se dar, elemento vital para a construção da tensão. A angústia inicial dos personagens dá um quê de elegia à jornada.

Os sentimentos aprisionados de Xavier no passado mantém essa perspectiva. Após a vivacidade exibida em Primeira Classe, ver o vício do professor transmitido pelas roupas em tons opacos e pelos cabelos desgrenhados de James McAvoy é uma eficiente ferramenta para introduzir o drama. Mais à frente, o encontro de duas linhas temporais é tão breve quanto poderoso. Além disso, o passado com Erik, brilhantemente representado pelo tabuleiro de xadrez intocado no meio da sala, é um assunto inacabado que se sente sem muitas palavras. Dias de um Futuro Esquecido se fortalece nas interações de Xavier e Magneto no passado, como reaproximação de dois amigos distanciados por uma ideologia – o que se beneficia dos excelentes McAvoy e Fassbender. É justamente quando a corrida contra o tempo toma a narrativa de assalto, e o desenvolvimento passa a ser ofuscado pelas necessidades da trama escolhida.

A opção de se adequar à estrutura aventuresca proposta pelo roteirista Simon Kinberg atrapalha as ambições temáticas que marcaram a franquia – algo que Matthew Vaughn e Jane Goldman souberam balancear muito bem no filme anterior. Com exceção de Xavier e Magneto e sua relação conturbada, ninguém ganha um arco dramático interessante. Em meio à narrativa movida por objetivos, personagens como Mística servem apenas como itens funcionais para a execução da ação. Não é à toa que Raven, tão intrigante e ambígua em Primeira Classe, soa rasa aqui: a mutante atravessa o filme tendo como conflito apenas a decisão de ajudar ou não Xavier e a equipe.

Não que seja obrigatoriamente um demérito a superficialidade de alguns personagens; Wolverine, anulado em duas das sequências-chave, é tratado mais como motor da narrativa do que como ser multifacetado, e ainda assim permanece relevante. Mercúrio, o personagem funcional por excelência, também é eficaz: aparece rápido (trocadilho inevitável), protagoniza uma cena absolutamente espetacular, e faz seu papel a tempo de liberar os heróis para continuarem a busca. No entanto, para um filme que depende tanto da interação e carisma dos indivíduos retratados, sendo eles constantes porta-vozes de causas delicadas, Dias de um Futuro Esquecido soa um tanto vazio em contexto e em temas. O envolvimento com os heróis se deve mais ao desenvolvimento dos filmes anteriores.

Mesmo o drama das situações acaba prejudicado. Muitos filmes de super-heróis costumam interromper a ação com alívios cômicos para diminuir a tensão ali instalada, e aqui não é diferente. No avião, cena-chave de conflito entre Magneto e Xavier, a reação de Hank pilotando é mostrada no ponto mais forte da ira do alemão. A tridimensionalidade dos personagens é uma constante na franquia, e por isso soam tão estranhas as tentativas desajeitadas de humor como essa. Ainda mais vindo de um veterano com os mutantes.

Singer, por sinal, não é conhecido por decisões estilísticas fortes em seus projetos. Operação Valquíria, os primeiros X-Men e Os Suspeitos são tão diferentes em roteiro e temática quanto em linguagem. Se isso enriqueceu a filmografia diversa do diretor, em Dias de um Futuro Esquecido fica clara a falta de uma lógica visual mais bem composta. Até o irregular compositor John Ottman consegue evocar melhor o senso de urgência dos atos. A fraquíssima fotografia de Newton Thomas Siegel é inevitavelmente digital devido ao 3D, o que já limita os termos, mas o próprio Siegel conseguira contornar o obstáculo com eficiência em Drive. Em contraste com o arrojado trabalho de Matthew Vaughn com o fotógrafo John Mathieson em Primeira Classe, o inexpressivo visual prejudica o filme, drena a energia dos cuidados set pieces elaborados pelo diretor.

Kinberg e Singer trazem das HQs o arco perfeito de histórias para um dinâmico movimento de recomeço para a equipe no cinema, com um ritmo sempre fluido e passagens que evocam os filmes de roubo setentistas, sempre cheios de viradas. Bolívar Trask, por exemplo, é cuidadosamente planejado para não cair na caricatura, aparecendo ameaçador, mas dotado de um interesse científico convincente. Sua estratégia, inclusive, evoca a lula gigante do clímax da obra-prima Watchmen, outra trama egressa das graphic novels. No entanto, a fragilidade de desenvolvimento dos personagens prejudica. Seria Magneto imprevisível ou seu arco apenas soa terrivelmente confuso no terceiro ato? São poucas as ideias realmente provocadoras do filme, e isso inclui a viagem no tempo, recurso utilizado com frustrante cautela.

Ainda que mais preocupado em como arranjar as peças em seu tabuleiro para uma aventura do que em levar as aflições mutantes a um novo patamar de discussão, Singer consegue abrir uma nova porta para os X-Men no cinema. É uma chance de recomeço que soa exatamente como ponto de partida, cuidadosamente composto como uma narrativa fechada, quadrada. Não causaria o mesmo impacto caso tratasse de novos personagens, mas ao se prestar solene diante de velhos amigos de uma década, Dias de um Futuro Esquecido é um limitado, mas divertido, passatempo para os fãs.

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Outros comentários
    1558
  • renato
    15.06.2014 às 20:06

    Na verdade, James Cameron foi quem se inspirou na HQ original para o roteiro de Exterminador do Futuro. Isso não é mistério. Abraços
    • 1565
    • Gabriel Papaleo
      18.06.2014 às 09:40

      Resposta do crítico: "Prezado Renato: A HQ pode ter inspirado mesmo o Cameron com o Exterminador nos conceitos de viagem no tempo, mas quando falo da semelhança do X-Men com o filme de 84, é em termos visuais. A visão de apocalipse é emulada da fotografia à direção de arte. Abraços, Gabriel"