Críticas


ALBERGUE ESPANHOL

De: CÉDRIC KLAPISCH
Com: ROMAIN DURIS, JUDITH GODRËCHE, AUDREY TAUTOU
07.12.2003
Por Marcelo Moutinho
INVENTÁRIO EXISTENCIALISTA SOBRE O AMADURECIMENTO

Cédric Klapisch provavelmente nunca ouviu falar em Paulinho da Viola. Mas os versos do genial sambista rapidamente vem à lembrança de quem acaba de assistir a Albergue Espanhol, filme que o diretor francês lançou no ano passado. “Voltar quase sempre é partir para um outro lugar”, canta Paulinho em seu “Samba do Amor”, dando a premissa perfeita para ilustrar a confusa trajetória do protagonista Xavier (Romain Duris), que aos 25 anos segue de Paris para Barcelona a fim de aprender espanhol e conquistar, assim, um emprego prometido pelo pai. Na cidade espanhola, consegue vaga no tal albergue a que alude o título, onde conviverá durante alguns meses com outros seis jovens de diferentes nacionalidades, em uma grande, divertida e por vezes dolorosa temporada iniciática.



Questões como a afirmação da nacionalidade e os contrastes de uma Europa unificada estão presentes no filme. Mas o ponto principal é mesmo o verdadeiro buraco existencial onde Xavier se vê enfiado. Na tensão entre seguir a carreira promissora e realizar seus sonhos mais sinceros, ainda que não tenha completa certeza sobre quais sejam, ele toca o cotidiano, tecendo amizades, ávido por amores, inseguro por contingência. Klapisch, que se notabilizou por filmes deliciosos como O Gato Sumiu e Idade Perigosa, consegue transmitir as dúvidas do personagem com a densidade adequada sem abdicar de leveza para contar sua história.



A edição, ágil mas não clipesca, espelha bem a progressiva conquista de autonomia e o amadurecimento de Xavier. O estranhamento de uma nova topografia, a distância de mãe e da namorada Martine, interpretada por Audrey Tautou, praticamente o obrigam a tomar nas próprias mãos as rédeas de seu futuro. Sempre somando ao (bom) texto, as imagens não soam redundantes nem mesmo nos flashbacks narrados em off. O esperto roteiro mantém o foco no caos interno de Xavier e chega a divertir, principalmente quando retrata a convivência atribulada entre ele e os demais moradores do albergue.



Se inicialmente fica evidenciado o imenso manancial de dúvidas do protagonista, à medida que decorre o filme o espectador passa a compreender como a identificação de incertezas similares no “outro” é determinante para que o protagonista consiga enfim encontrar uma espécie de fio invisível capaz de colocá-lo no rumo de uma identidade própria. O diretor brilha ao unir as tantas pontas soltas da vida de Xavier, sugerindo que cada chegada é também partida, e a cada porto nos vemos transformados. No retorno à cidade natal, há uma nova Paris e um novo Xavier - é o que revela, em suma, Klapisch em seu inventário existencialista.



#ALBERGUE ESPANHOL (L’Auberge Espagnole)

França / Inglaterra, 2002

Direção e Roteiro: CÉDRIC KLAPISCH

Elenco: ROMAIN DURIS, JUDITH GODRËCHE, AUDREY TAUTOU

Duração: 122 min

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