Críticas


SOBRE MENINOS E LOBOS

De: CLINT EASTWOOD
Com: SEAN PENN, TIM ROBBINS, KEVIN BACON, LAURENCE FISHBURNE
15.12.2003
Por Nelson Hoineff
SOBRE GENTE

Quando vejo torcidas muito organizadas de futebol, e transmissões de TV estimulando seu entusiasmo, penso que há algo de falso nisso. Lembro da forma completamente desorganizada com que íamos torcer e brigar em arquibancadas distantes de casa - em Moça Bonita, Conselheiro Galvão, Rua Bariri. Penso que o torcedor não precisa ser estimulado para torcer por seu clube. E se precisa, se são efeitos sonoros e vinhetas eletrônicas que lhe estimulam o entusiasmo pelo time, então há algo de errado com o torcedor e sobretudo com os meios que administram suas emoções, que se interpõem entre ele e o seu time – e lhe ensinam como proceder.



Não é muito diferente com o cinema. Cria ações pueris, impõe diálogos que não querem dizer nada, lança-se a delírios ficcionais onde a capacidade de processar imagens eletronicamente é a grande estrela e colocam o espectador no meio de um picadeiro onde por todos os lados desfilam objetos, não emoções. O ser humano, suas emoções, seus anseios e suas fraquezas já não estão em quadro; apenas seres estranhos – sob todos os pontos de vista – que de maneira alguma reproduzem as experiências do espectador.



Costumava-se chamar a isso escapismo – uma forma de fugir às tensões do cotidiano e fugir de nossas próprias preocupações – mas acho que a inteligência está de certa forma ligada à nossa capacidade de falarmos de nós, não de coisas que não existem e não encontrem referência alguma com nossas emoções. É claro que podemos ser capazes de nos emocionar com um extra-terrestre com cara de criança sendo perseguido por seres humanos malvados; há até quem seja capaz de se tocar com filhos que encontram os pais ou pais que encontram os filhos. Mas podemos exigir um pouco mais de nós mesmos. E do que expressam os livros que escolhemos para ler ou os filmes que escolhemos para ver.



Sobre Meninos e Lobos é um filme que fala sobre seres humanos. Por todos os lados, circulam pessoas muito parecidas com nós, bem mais, pelo menos, do que extra-terrestres e adolescentes em estado de retardo mental. Visto no conjunto, é uma história policial, com um crime e a investigação para descobrir o culpado. Visto mais de perto, contudo, é um caleidoscópio sobre emoções humanas. Menos densas, aliás, do que na novela de Dennis Lehane, onde muitas ações que no filme de Eastwood podem parecer levianas – o assassinato do pedófilo – no texto original encontram nuances bem mais sofisticadas.



Seria pouco ver em Sobre Meninos e Lobos um discurso sobre os efeitos que um crime cometido muitos anos antes – o seqüestro e violentação de um garoto – tem na vida de um punhado de homens alguns anos depois. Filmes assim falam mesmo é de cada um de nós, através dos personagens construídos pela ficção. Para que isso aconteça, é necessário que se mergulhe na verdadeira magia do cinema – que não está em estúpidos efeitos especiais mas na densidade de interpretações de artistas como Sean Penn, Tim Robbins, Kevin Bacon. Seus olhares, suas rugas e cicatrizes são os efeitos que valem milhares de softwares, burros como Nelson Rodrigues dizia que o video-tape é.



Não precisamos ser pedófilos, assassinos ou vítimas de abusos para sermos como os personagens de Lehane. Porque não é do homem como personagem de ocorrências policiais que ele fala – quem faz isso é o Cidade Alerta. E no entanto, cada um destes personagens reflete um pouco de nós – e neles nos refletimos, porque este é um filme que fala, de forma bastante simples aliás, das virtudes e das fraquezas do gênero a que pertencemos.



# SOBRE MENINOS E LOBOS (MYSTIC RIVER)

EUA, 2003

Direção: CLINT EASTWOOD

Roteiro: BRIAN HELGELAND

Produção: CLINT EASTWOOD, JUDIE HOYT, ROBERT LORENZ

Fotografia: TOM STERN

Montagem: JOEL COX

Música: CLINT EASTWOOD

Elenco: SEAN PENN, TIM ROBBINS, KEVIN BACON, LAURENCE FISHBURNE, MARCIA GAY HARDEN, LAURA LINNEY

Duração: 137 min.

site: http://mysticrivermovie.warnerbros.com

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