Críticas


À MARGEM DA IMAGEM

De: EVALDO MOCARZEL
21.12.2003
Por Carlos Alberto Mattos
A CULPA DO CAÇADOR

Na nova edição ampliada de Cineastas e Imagens do Povo (Cia. das Letras, 2003), Jean-Claude Bernardet analisa À Margem da Imagem sob o ponto de vista da entrevista em crise. De um lado, elogia o filme por “praticar a entrevista convencional, mas fornecer informações que a solapam”. De outro, condena Evaldo Mocarzel por não estabelecer uma real interlocução com seus entrevistados, com isso ratificando um preconceito segundo o qual “não se dialoga com entrevistado pobre”.



A cobrança de Bernardet revela um desejo utópico de conversação entre cineastas e povo. Por esse raciocínio, a meta ideal, num documentário sobre moradores de rua, seria a plena interação entre os dois pólos. Em vez de perguntas e respostas, uma discussão franca, levada até as últimas conseqüências. Talvez seja exigir demais, mesmo de um filme que incorpora o processo de documentação como um de seus assuntos. À Margem da Imagem não mostra o trabalho da equipe como uma tentativa de diálogo, mas como um exercício de autocrítica. Se há um tema a concorrer com a própria vida dos sem-teto de São Paulo, este é a culpabilidade dos caçadores de imagens. O filme opera na perspectiva do exame de consciência. E se pergunta, a todo momento: como enfocar a miséria sem explorá-la enquanto espetáculo ou assumir uma atitude paternalista?



A melhor resposta talvez não esteja na exibição dos bastidores das entrevistas, nem mesmo nas confrontações entre caçadores e caçados – sejam elas diretas, como na impactante fala final, ou indiretas, como nas referências ao episódio com Sebastião Salgado. A maior contribuição de Mocarzel ao subgênero de documentário que costumo chamar de “Mais Fortes São os Falares do Povo” é a atenção que dispensa à auto-imagem dos entrevistados. Embora pouco se ouça das perguntas que orientaram as conversas, percebe-se que havia uma pauta dedicada à maneira como aquelas pessoas viam a si próprias, dentro e fora do filme. Daí os comentários freqüentes sobre aparência e higiene pessoal ou sobre o fato de estarem participando de um filme sobre moradores de rua.



Mocarzel oferece o filme como uma espécie de espelho, onde as pessoas se miram e se auto-avaliam. Isso as afirma como individualidades, em lugar de reduzi-las a meros personagens de um discurso generalizante sobre uma categoria social. Não são apenas “matérias-primas”, mas agentes críticos capazes de refletir sobre a vida que levam, ainda que em níveis diferentes de conformação às normas. O fato de não haver propriamente um diálogo entre elas e o documentarista em nada compromete a proposta do filme. Pelo contrário, sublinha com honestidade um abismo de classe que nunca deve ser escamoteado.



# À MARGEM DA IMAGEM

Brasil, 2002

Direção: EVALDO MOCARZEL

Roteiro: EVALDO MOCARZEL E MARIA CECÍLIA

Fotografia: CARLOS EBERT

Montagem: MARCELO MORAES

Som: JORGE VAZ

Duração: 72 minutos



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