Um dos equívocos mais recorrentes no exercício da crítica cinematográfica é o de reclamar que o cineasta não fez o filme que ele (o crítico) esperava que fosse feito. Essa reversão de expectativa, ao invés de motivar a possibilidade de um novo olhar sobre o tema, acaba deixando que a má vontade e a decepção do crítico tomem conta de sua análise da obra. É o que se tem percebido em relação ao documentário Glauber – O Filme, Labirinto do Brasil, de Silvio Tendler, desde sua exibição no Festival do Rio. No Festival de Brasília, felizmente, um júri formado por 15 críticos dos principais veículos especializados do país soube reconhecer o valor do filme, atribuindo-lhe o prêmio da crítica após uma troca de idéias de alto nível (testemunhada pelo Secretário de Cultura do DF).
Por que um documentário sobre Glauber Rocha necessitaria ser fiel à estética de seu personagem? Talvez esperassem um novo Rocha Que Voa, o vigoroso filme de Eryk Rocha, fortemente influenciado pela obra do pai. Glauber – O Filme não é um filme de Glauber, nem de Eryk, e sim um filme de Silvio Tendler. Tal qual Jango e Os Anos JK, documentários de sucesso realizados por Tendler na década de 80, Glauber – O Filme demonstra um incrível poder de comunicação, comprovado pela reação calorosa e emocionada da platéia em Brasília, que lhe concedeu o prêmio do júri popular. O encanto causado pela (re)descoberta do cinema e das idéias de Glauber Rocha foi tamanho que nos dias seguintes, segundo reportagem de um jornal local, os filmes de Glauber sumiram das prateleiras das videolocadoras da cidade.
Os dados acima já bastariam para que o documentário cumprisse sua função primordial: motivar o público em geral a enxergar Glauber distante da visão simplista oferecida por seus detratores nas últimas décadas, de um quase-louco que fazia filmes chatos e alegóricos. No Glauber retratado por Silvio Tendler, a genialidade de sua obra é ressaltada não por explicações acadêmicas de críticos e estudiosos, mas pela persona vibrante, corajosa e lúcida em sua quase loucura, expressa nos depoimentos de amigos e do próprio Glauber, que costuram o documentário.
Cada vez que Arnaldo Jabor, João Ubaldo Ribeiro, Hugo Carvana e Paulo Autran, entre outros, contam como foi conviver e trabalhar com o diretor de Terra em Transe, parece que o espectro de Glauber Rocha baixa neles. Há uma vibração e uma intensidade que Tendler valoriza e inteligentemente intercala com as preciosas imagens do velório e do enterro do cineasta, sublinhadas por uma trilha sonora dramática que exerce uma função semântica semelhante à que Glauber empregava com a música em seus filmes. Essa dialética Glauber vivo-Glauber morto confere ao filme uma ressonância mítica legitimamente glauberiana, sem que se distancie da opção pelo didatismo. Há quem questione a eficácia e a qualidade das vinhetas computadorizadas que costuram o filme, ou ainda as imagens (sem áudio e sem emoção) de um show-tributo realizado no Canecão uma semana depois de sua morte, mas isso é pouco para tirar o mérito de uma obra que dá a Glauber a chance de, finalmente, conquistar a popularidade que ele sempre mereceu.
# GLAUBER - O FILME, LABIRINTO DO BRASIL
Brasil, 2003
Direção, Roteiro, Produção e Montagem: SILVIO TENDLER
Fotografia: WALTER CARVALHO E FERNANDO DUARTE
Música: EDUARDO CAMENIETZKI
Duração: 100 min.
LEIA A CRÍTICA DE CARLOS ALBERTO MATTOS