Artigos


SAINDO DA SOMBRA

08.03.2004
Por Myrna Brandão
SAINDO DA SOMBRA

No auge da Guerra Fria, entre os anos de 1961 e 1968, Robert McNamara ocupou a função altamente estratégica de Secretário de Defesa dos Estados Unidos. Esse período é um dos temas centrais do filme A Névoa da Guerra (The Fog of War), do diretor americano Errol Morris, Oscar de melhor documentário deste ano. McNamara, usando sua própria voz no documentário, adota uma postura quase emocional (chega a chorar algumas vezes) sobre as crises que ocorreram naqueles tempos - uma época conturbada da história na qual ele foi personagem importantíssimo - com depoimentos sobre fatos que incluem a invasão da Baia dos Porcos, a Guerra do Vietnã e a crise dos mísseis de Cuba, entre outros.



O filme faz uma leitura da vida de McNamara, desde sua brilhante passagem pela Business School de Harvard e o início de sua carreira, contratado para implementar o Departamento de Controle de Estatística da Aeronáutica. Após a guerra mundial , trabalhou um período na Ford e em 1961 foi convidado para ser secretário de defesa de Kennedy e posteriormente de Lyndon Johnson. A Névoa da Guerra tem muitas qualidades, inclusive por revelar a verdadeira extensão dos ataques ao Japão que culminaram com as bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki: McNamara revela em seu depoimento que antes dos dois ataques, aviões americanos despejaram toneladas de bombas incendiárias em 65 cidades japonesas, praticamente destruindo-as, inclusive Tóquio.



"Custei a acreditar nas revelações de McNamara", disse Morris na entrevista após a exibição do filme no último Festival de Nova York, complementando que, pelos cálculos do poderoso ex-secretário de defesa, pelo menos 1 milhão de civis devem ter morrido naquelas operações. "Se tivéssemos perdido, teríamos de prestar contas como criminosos de guerra pelo que fizemos àquelas cidades", diz McNamara, num dos muitos depoimentos. Embora não exclua a si próprio do planejamento dos ataques, que explicitamente faziam parte de uma estratégia para diminuir as baixas americanas no caso de uma invasão do Japão, McNamara divide a responsabilidade das decisões com o General da Aeronáutica Curtis LeMay, conhecido "falcão" ultra radical da época.



Ao lado dos depoimentos e da trilha envolvente de Philip Glass, a montagem mescla inteligentemente imagens de arquivo, reconstituições, fotos, registros de áudio e até ilustrações originais de propostas (como os eloqüentes dominós alinhados sobre um mapa, evocação da famosa "teoria dos dominós" do General Eisenhower). A Névoa da Guerra traz a público conversas telefônicas entre McNamara e os Presidentes JFK e Lyndon Johnson - até recentemente classificadas como secretas - que naquele momento, estavam verdadeiramente decidindo a vida de milhares de pessoas na Guerra do Vietnã. Uma delas dá a McNamara uma chance de reabilitação do título de principal vilão no conflito. As gravações inéditas, agora reveladas, comprovam que ele teria defendido a retirada das tropas americanas do país.



O filme de Morris, além de lançar novas luzes sobre muitos fatos ocorridos naquele período, nos dá também a oportunidade de conhecer mais a fundo um personagem ambíguo que, no filme, se posiciona fisicamente quase sempre de uma maneira até certo ponto compreensível, ou, talvez, freudiana : procurando sempre se livrar do foco direto da câmera para se (res)guardar na parte mais sombria dos enquadramentos.

Voltar
Compartilhe
Deixe seu comentário