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A ARTE DA CRÍTICA: CINEMA

23.03.2004
Por Murilo Salles
OXIGÊNIO JÁ!

Temos hoje no Brasil uma produção de cinema plural e consistente. O Cinema Brasileiro está fazendo seu dever de casa bem direitinho. Será que a critica ensaística está preparada para “pensar” esse cinema com um instrumental formatado para dar conta do complexo sistema de produção cultural num país como o nosso? Sendo mais direto: que país é esse? Que cinema é esse? Que crítica é essa?



Existe uma tradição ensaística de excelência na crítica de cinema no Brasil, com Paulo Emílio Salles Gomes e Alex Viany (também cineasta), críticos que legaram uma obra consistente e de excelente qualidade sobre nosso cinema. Mais recentemente, uma nova geração capitaneada por Ismail Xavier continuou e aprofundou essa tradição crítica de excelência com José Carlos Avellar e outros. É claro que, quando falo de crítica, falo da crítica de estrutura, das análises críticas, não dessa baboseira impressionista desinformada que é publicada em nossos jornais, revistas e, agora também, nas televisões.



Não quero, aqui, perder tempo e esse espaço valioso para discussão, crucificando a crítica de juízo de valores, como Barthes a chamava, essa crítica "impressionista". Não vale a pena, ela nasce morta, só serve aos interesses do sistema de comércio do entretenimento (jornais, revistas e televisão). Estamos falando sobre a crítica "inteligente", ensaística, onde temos vários de seus expoentes pensando o cinema brasileiro "hoje", e para eles coloco a questão, crucial para mim: será que essa crítica nos empurra (os cineastas) para um lugar de reféns da obra de Glauber Rocha, do Cinema Novo? Será possível tecer um recorte crítico pertinente sobre a produção do cinema brasileiro atual mediado por conceitos/ferramentas que foram/são válidos num recorte sócio-cultural anterior? Ou melhor, será que essa crítica ainda está operando com conceitos viciados, antiquados?



Por que não oxigenar a discussão, tentando perceber mais profundamente a complexidade sócio-cultural da pós-modernidade à qual fomos submetidos, os cineastas brasileiros preocupados com produzir um cinema instigante? Será que um certo modelo "órfãos de Glauber Rocha", encarnado por essa crítica, permite que ela perceba os indícios de inquietação que possam existir nos filmes brasileiros atuais? E, além da inquietação, que é um sintoma juvenil, consegue ela perceber que existem tentativas de produção de pensamento no atual cinema brasileiro? Afinal, o trabalho da crítica é se auto-renovar num processo incessante de reavaliação dos critérios e ferramentas que usa para seu discurso.



Murilo Salles é cineasta.



Texto publicado no Jornal do Brasil em 17-03-2004

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