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A ARTE DA CRÍTICA: MÚSICA POPULAR

23.03.2004
Por Lobão
PARA SAIR DO MARASMO

Poder vivenciar a função de músico com a de editor de uma revista de música é meio que poder vivenciar a vida em stereo. Eu confesso que chegar a editor de revista nunca foi algo que eu colocasse como meta, se bem que nunca tive como meta ser cantor ou guitarrista. Num momento em que a indústria cultural passa por uma séria crise, em que tecnologias revolucionam as formas de fazer e pensar música, em que os independentes começam a crescer em tamanho e em qualidade, há sempre uma lacuna no mercado editorial .



É muito importante termos a capacidade de ouvir vozes diferentes, de ouvir pessoas trocando idéias e emitindo pensamentos, livres de qualquer vinculação institucional. Em meio a este marasmo em que se encontra o mainstream, muita coisa tem que ser articulada, conectada em várias áreas pelo maior número de pessoas possível, pois é neste marasmo que toda a sopa primordial se junta para fazer nascer um novo paradigma. Para que tudo isso aconteça precisamos revisar determinadas condutas do tipo ursinho carinhoso-teletubbie corporativista e repensarmos toda a estrutura que faz gerar a cena musical e cultural brasileira.



Havendo já um consenso meio que geral em relação aos vícios que estão incrustrados, cabe a todos nós, da imprensa, das rádios, gravadoras, músicos, público em geral, casas de show, enfim, colocarmos nossa expressão a público clara, translúcida, soberana, independente, sem mais essas retóricas em cima do muro, em que só prevalece esse eterno retorno do mesmo, esse presente contínuo zumbindo nas nossas almas enquanto ouvimos o murmúrio impotente de tantos que apostam tudo para que não haja nenhuma mudança.



A crítica no Brasil sempre teve um papel poderoso e dinamizador no contexto cultural, mas como não poderia deixar de ser, a crítica , por falta de espaço, amarga um lugar muito semelhante ao mainstream, e é por isso mesmo que precisamos começar de todos os lados. E tudo indica que a hora é essa, os subterrâneos estão tremendo, há uma atmosfera efervescente no ar e muita gente bacana pronta pra ser conectada para que nós possamos criar um terreno onde a produção artística seja novamente baseada na curiosidade, na criatividade, na transgressão, no amor. Para isso a gente precisa contar com uma cena mais dinamizada com as rádios, a programação mais limpa, mais espaço para se tocar, as gravadoras querendo lançar coisas novas.



E que este ano de 2004 seja o ano onde tudo começou, pois o que tinha já acabou faz muito tempo.



Lobão é músico e editor de revista



Texto publicado no Jornal do Brasil em 12-03-2004

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