Críticas


RELATOS SELVAGENS

De: DAMIÁN SZIFRÓN
Com: RICARDO DARIN, JULIETA ZYLBEBERG, ERICA RIVAS, LEONARDO SBARAGLIA
25.10.2014
Por Marcelo Janot
Um belo filme, que cumpre muito bem sua função de dar asas à tanta indignação represada.

Claro que o que chama mais a atenção no filme argentino RELATOS SELVAGENS é o seu caráter desopilador – o cinema, afinal, sempre teve como uma de suas marcas principais a possibilidade de materializar nossas fantasias e desejos reprimidos. Quem não gostaria, por exemplo, de envenenar um político arrogante que lhe provocou uma desgraça familiar, ou em algum momento já desejou explodir o Detran após ser submetido à insanidade de seus labirintos burocráticos? Filmes como “Um Dia de Fúria”, de Joel Schumacher, viraram emblemas desse tipo de cinema em que o cidadão comum à beira de um ataque de nervos vai à forra sem se preocupar muito com a consequência de seus atos. E Hollywood despeja às pencas histórias de vingança, dos mais variados matizes, para deleite de seu público fiel.

Mas seria injustiça com o diretor e roteirista Damián Szifrón atribuir a empatia que “Relatos Selvagens” gera no espectador unicamente à identificação com o seu tema. As seis histórias independentes que compõem o filme funcionam também porque são extremamente bem dirigidas. Peguemos, por exemplo, o episódio que nos apresenta uma metáfora do confronto de classes sociais materializado na briga entre um motorista de um carro importado e outro de uma lata velha. É a direção de Szifrón, primeiramente como ele constrói a atmosfera para o embate e especialmente pela maneira como a câmera enquadra os personagens dentro do carro, que faz com que o absurdo da situação chegue a um nível extremo mas que jamais soe caricatural.

O mesmo vale para a cena do casamento. Trabalhando como DJ, percebo como as bodas, em algumas ocasiões, se tornaram um cenário dantesco de opulência e ostentação, onde a hipocrisia reina soberana. Embora eu não me comporte como o DJ do filme, um senhor de terno que fica agitando os braços no alto de forma meio ridícula, posso garantir que a ambientação feita em “Relatos Selvagens” é perfeita, e o desfecho do episódio é uma grande sacada.

O episódio da família de milionários que tenta “comprar” a culpa de um acidente de carro cometido por seu filho, pagando uma bolada para o caseiro dizer que foi ele, vale mais como retrato da “socialização” da ganância, pois a história em si já foi contada de forma semelhante em ótimos filmes como o turco “Três Macacos”, e o romeno “Instinto Materno”, premiados em festivais europeus e que provavelmente serviram de inspiração para Szifrón.

Mas no conjunto “Relatos Selvagens” consegue extrair força de sua unidade temática, sem soar irregular como muitos filmes episódicos, e sem cair em armadilhas maniqueístas. É um belo filme, que cumpre muito bem sua função de dar asas à tanta indignação represada.

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