“Tim Maia”, filme dirigido por Mauro Lima, é uma ficção baseada no livro “Vale Tudo – O som e a fúria de Tim Maia”, de Nelson Motta, reencenando e recriando passagens da vida de Tim. O livro de Motta é uma biografia. Um filme baseado nele também poderia ser um documentário, revivendo através de depoimentos e imagens de arquivo o que está contado no livro. Não é o caso aqui.
Quando se trata de cinebiografias, muita gente ainda não consegue distinguir documentário e ficção, imaginando que, por “respeito” ao biografado, o filme deva ser completamente fiel aos fatos, e não à imaginação dos roteiristas. Outro equívoco recorrente é a crítica de que o filme ignora a existência de certas pessoas que tiveram presença marcante na vida do biografado. O filme “Tim Maia” tem pouco mais de duas horas. Se fosse uma minissérie, talvez fosse possível dar conta de todo o livro de Nelson Motta, caso fosse essa a intenção dos realizadores. Mas também não é o caso.
O filme que temos na cabeça, quando conhecemos bem o personagem retratado, nem sempre (ou quase nunca) é igual ao que foi parar na tela. Pode-se questionar as escolhas do produtor, do diretor, dos roteiristas, mas as críticas só têm fundamento se estas escolhas resultaram em uma descaracterização não intencional que tornou o personagem irreconhecível ou se deixaram a sensação de desperdício. Portanto, não há problema algum se “Tim Maia” ignora a presença de Hyldon, Cassiano ou outros músicos importantes em sua trajetória e que mereceram algum destaque no livro de Motta. Os problemas do filme são outros.
No roteiro de Mauro Lima e Antonia Pellegrino, quem assume o papel de narrador é o músico Fábio, um dos amigos mais presentes na vida de Tim. Assim como ele, quem divide espaço com o protagonista é Janaína, o amor de juventude que se tornou sua esposa. A impressão que se tem é a de que na vida real o coração de Tim Maia pertenceu exclusivamente a ela, que teria sido o grande amor da sua vida. O livro de Motta mostra que não foi bem assim. O roteiro condensa em Janaína, um personagem fictício, várias mulheres que passaram por sua vida. Tais opções servem de pretexto para que Fábio e Janaína estejam em cena durante boa parte do filme.
E o que isso significa? Que o galã Cauã Reymond e a musa Alline Moraes, astros de novela, poderiam ajudar a dar força comercial ao projeto. Tanto a narração de Fábio quanto a presença de Janaína, embora legitimadas pela opção dos realizadores (seja por motivações comerciais ou não), acabam trazendo prejuízos artísticos ao filme. A narração é redundante e dispensável em vários momentos; e a relação folhetinesca de Tim com Janaína não justifica tanta atenção dada a ela. Também gasta-se boa parte do filme com o jovem Tim Maia correndo atrás de Roberto Carlos, algo repetitivo e que é agravado pela interpretação caricatural de Roberto pelo ator George Sauma.
É só a partir da metade do filme que o espectador finalmente tem contato com o gênio musical de Tim Maia. A magnífica reconstituição de época, seja através da direção de arte, figurinos ou direção musical, junto com a performance avassaladora de Babu Santana, fazem com que o filme cresça.
Daria para se esperar mais. O grande frasista Tim Maia está diluído em meio a uma enxurrada de palavrões; episódios deliciosos do livro e de grande potencial cinematográfico, como os LPs autografados que ele deu a policiais em troca da liberação de um flagrante num Fusquinha, ou o fatídico show no Morro da Urca e seu trauma do bondinho, são deixados de lado, enquanto sua estadia em Londres parece solta e sem importância na trama. A narrativa dá um salto brusco até sua morte, mal encenada e resvalando na pieguice.
A sensação que o filme deixa, apesar de alguns bons momentos, é a de desperdício de uma biografia fascinante tanto no aspecto humano quanto musical. Não nos permite entender porque Tim Maia foi um talento singular de nossa música e nem dá conta da sua complexidade humana. Se a proposta era o simples entretenimento, “Tim Maia” não consegue ser contagiante como o musical de João Fonseca, também baseado no livro de Nelson Motta e encenado nos teatros brasileiros.