Críticas


UMA PASSAGEM PARA MÁRIO

De: ERIC LAURENCE
20.11.2014
Por Carlos Alberto Mattos
Um filme belo e comovente sobre cinema e amizade

A celebração da amizade tem sido um tema ou subtexto frequente entre os chamados novíssimos cineastas brasileiros, especialmente aqueles do Nordeste. A prática de cooperação entre realizadores e equipes de várias regiões ajuda a nutrir um certo clima de brodagem que frequentemente repercute na dramaturgia dos filmes. Mas nenhum que eu tenha visto até hoje faz isso de maneira tão orgânica e comovente quanto o documentário Uma Passagem para Mário, de Eric Laurence, um cearense radicado em Pernambuco.

O Mário do título é o psicólogo e mergulhador Mário Duques, um grande amigo de Eric e praticante de filmagens subaquáticas. Quando somos apresentados a ele, em filmes domésticos, Mário está em tratamento quimioterápico contra um câncer. Eric o estimula a fazer um filme semidocumental sobre sua família e amigos para levar em uma desejada viagem ao deserto de Atacama e ao salar de Uyuni, que também será filmada. Vemos Mário discutir com seu médico a possibilidade dessa jornada. Percebemos que ele tem também um projeto de fazer documentários sobre navios naufragados, objeto de algumas belíssimas imagens incluídas no filme.

Aos poucos, a viagem pela Bolívia e Chile começa a ganhar espaço na edição. O ponto de vista é marcadamente subjetivo, o que nos leva a crer que o projeto está sendo levado adiante conforme planejado. É muito cuidadosa e inteligente a forma como Eric Laurence nos desvenda as circunstâncias reais dessa viagem, seja através da revelação gradual da sua própria presença, seja pelos pequenos depoimentos que vai colhendo no caminho a respeito da vida, da amizade e das necessidades que herdamos de nossos entes queridos.

É muito difícil escrever sobre esse filme sem antecipar as emoções que compartilha conosco nesse trajeto por algumas das mais bonitas paisagens do continente. Estas nos chegam aos olhos revestidas de um sentimento de profundo respeito e afeto, temperadas pela trilha sonora cativante de Plínio Profeta. As últimas sequências, que transformam o Atacama noturno numa grande tela de projeção, são uma ode visual à amizade e à permanência poética do cinema, e também um elogio da liberdade permitida pelas condições tecnológicas atuais.

Uma Passagem para Mário está em cartaz no Cine Joia (Rio) e merece toda atenção. A nova brodagem gera talvez o seu fruto mais maduro e legítimo.

Voltar
Compartilhe
Deixe seu comentário