Trinta não coloca o público diante de um panorama do percurso profissional de Joãosinho Trinta (1933-2011) e exibe discretamente, apenas nas últimas imagens, registros do brilho criativo dos desfiles capitaneados pelo carnavalesco. Estes dados, porém, devem ser vistos como escolhas – e não como falhas.
Muitas vezes a cobertura integral da trajetória de uma personalidade leva a condensações artificiais. Talvez ciente desse risco, o diretor Paulo Machline (responsável pelo roteiro ao lado de Cláudio Galperin, Maurício Zacharias e Felipe Scholl) assume um recorte relacionado ao início da jornada artística de Joãosinho Trinta, em particular no que se refere à estreia como carnavalesco da escola Acadêmicos do Salgueiro na primeira metade da década de 1970. Boa parte do filme se concentra na preparação do desfile, nos intensos bastidores, e não exatamente nos aguardados instantes de apresentação.
O espectador trava contato com uma importante fase da vida do maranhense João Clemente Jorge Trinta, conhecido como Joãosinho Trinta (Matheus Nachtergaele), que, já morando no Rio de Janeiro, abre mão do trabalho numa repartição pública diante do sonho de se tornar bailarino, projeto que parece se concretizar com seu ingresso no Corpo de Baile do Theatro Municipal. Mas ele logo se frustra com a falta de destaque nos espetáculos. Devido a um desentendimento entre Fernando Pamplona (Paulo Tiefenthaler) e o presidente do Salgueiro, Germano (Ernani Moraes), Trinta é promovido da função de aderecista ao posto de carnavalesco e troca a suntuosidade do Municipal pelo universo popular – e também apaixonante – do barracão.
A oportunidade, contudo, gera conflitos. Trinta preserva o vínculo com Zeni (Paolla Oliveira), mulher de Pamplona. No entanto, sua amizade com o próprio Pamplona, de quem era assistente, fica abalada. E enfrenta bastante resistência dentro da escola, evidenciada, em medida considerável, na contundente oposição imposta por Tião (Milhem Cortaz), diretor do barracão. A tensão aumenta por causa do prazo reduzido – seis meses – para levantar o desfile. Determinado, Trinta não só dá conta do desafio como alcança a vitória com o enredo O rei de França na ilha da assombração, em 1974. No encerramento do filme, a plateia se depara com imagens que trazem o Joãosinho Trinta real e evocações de grandes feitos, como o polêmico desfile Ratos e urubus, larguem a minha fantasia, da Beija Flor, no final dos anos 1980.
Bem conduzida por Machline (que assinou o documentário A raça síntese de Joãosinho Trinta, de 2009), a produção é valorizada por trilha sonora deliciosa (a cargo de André Abujamra) e figurinos caprichados (de Kika Lopes). Os atores estão afinados com seus personagens (além dos citados, cabe mencionar Fabrício Boliveira, como Calça Larga, figura relevante no barracão do Salgueiro), em especial Matheus Nachtergaele, que interpreta o protagonista em tom menor, adequadamente contido (até a sequência catártica). Nachtergaele tem ótimos momentos, a exemplo da cena em que transmite desolação diante do carro alegórico queimado. Como se pode notar, Trinta reúne qualidades que justificam a ida ao cinema.
Crítica publicada no jornal O Globo