“A autobiografia de um poeta é sua poesia. O resto não passa de nota de rodapé”, disse o poeta russo Ievguêni Ievtuchenko. Mas como filmar a poesia de um artista - ou seus quadros, ou suas idéias - é tarefa complicada, filma-se a vida. Que pode ser bem medíocre e desinteressante. Sylvia Plath – Paixão Além das Palavras é menos que uma nota de rodapé. Mas se o filme fizer com que alguém saia do cinema e procure os livros de Sylvia ou de seu marido, o também poeta Ted Hughes, o esforço da diretora Christine Jeffs e da protagonista Gwyneth Paltrow já terá valido a pena.
Sim, porque o filme – que chegou a ter o título provisório de Sylvia & Ted - é mais sobre o relacionamento dela com Hughes que sua história - ou um filme sobre sua obra. A paixão entre os dois foi o lado escandaloso da vida de uma autora cuja obra - por ironia - era extremamente controlada e precisa. Sylvia escolhia as palavras com muito cuidado e logo após seu suicídio em 1963, estava na boca da mídia e dos círculos literários, explorada por feministas e outros grupos que tentavam culpar alguém por esta morte – especialmente Hughes, que a traiu no casamento. Mas felizmente deste mal o filme não padece: ele não tenta explicar nada nem culpar ninguém. Ele não trai Sylvia Plath, mas também não faz juz a sua obra. Fica patinando nos fatos de seus breves 31 anos: ela jovem; ela conhecendo Ted numa festa na Inglaterra; eles se mudando para os Estados Unidos e depois voltando para a Grã Bretanha; onde, em dezembro de 1962 – após terem dois filhos - se separam.
Sylvia & Ted, segundo este filme, não se diferenciam muito de Camille Claudel & Rodin; Frida Kahlo & Diego Rivera, casamentos entre artistas geniais que se desenrolam com um sempre querendo a submissão do outro. Ted Hughes já era conhecido como poeta e professor quando Sylvia o encontra em Cambridge. Desde a publicação de seu primeiro livro ele foi premiado, enquanto ela lutava para conseguir ter uma voz própria – e entender que as imagens e sons que tinha na cabeça renderiam boa poesia. A auto-estima dela é o oposto da dele. A poesia dela, muito mais genial e difícil de ser compreendida – tanto assim que ela só vendeu e teve sucesso depois que se matou. Mas nada disto é muito especificado. E a história de Sylvia cai no clichê da mulher submissa. Da metade do casal que quer criar - mas tem que cozinhar e trocar fraldas. Com certeza parte da vida dela foi isto. Mas será que só isto?
Há delicadezas na maneira de filmar de Christine Jeffs (cujo único outro filme é Rain , de 2001): a cena em que eles estão no barco sem controle, que sacode enquanto ela diz coisas perturbadoras; seu pedido de ajuda ao vizinho – resumido na mão contra o vidro da porta; a famosa história de quando eles dançam pela primeira vez e ela o morde. Existem detalhes – um pouco estranhos e claustrofóbicos – que tentam criar um clima do que se passava dentro dela. Mas eles são afogados pelo recorte de vida que o roteiro escolhe; pela narrativa linear (todo mundo sabe que no final ela se mata); pelos excessos da trilha sonora e pela atuação de Gwyneth Paltrow - ainda que ela tenha melhorado. Sylvia Plath : Paixão Além das Palavras está longe de ter a ousadia e a estrutura de Um Anjo Em Minha Mesa , em que Jane Campion faz o público conhecer e desfrutar da obscura escritora Janet Frame, obtendo muito mais do que Christine Jeffs consegue da obra de Sylvia Plath.
SYLVIA PLATH – PAIXÃO ALÉM DAS PALAVRAS (SYLVIA PLATH)
EUA, 2003
Direção: CHRISTINE JEFFS
Roteiro: JOHN BROWNLOW
Produção: JANE BARCLAY, SHARON HAREL E ROBERT JONES.
Trilha sonora original: GABRIEL YARED
Diretor de fotografia: JOHN TOON
Edição: TARIQ ANWAR
Direção de arte: JANE CECCHI, JOANNA FOLEY, JOHN HILL.
Figurino: SANDY POWELL
Elenco: GWYNETH PALTROW, DANIEL CRAIG, BLYTHE DANNER, LUCY DAVENPORT, MICHAEL GAMBON; JARED HARRIS; ELIZA WADE; AMIRA CASAR.
Duração: 110 min.
